Você já ouviu falar em “tokusatsu”? Caso contrário, provavelmente seus pais ou amigos já assistiram algo relacionado em algum momento da vida, como Jaspion, Changeman, Jiban e até mesmo as mais de 20 temporadas de Power Rangers disponíveis na Netflix. Essa palavra, traduzida do japonês para o português, significa “filme de efeitos especiais”, e é a abreviação do termo “tokushu kouka satsuei”. A primeira produção desse gênero foi Godzilla, lançada em 1954 e com efeitos especiais produzidos por Eiji Tsuburaya, que no ano de 1966 criou seu próprio herói, o Ultraman. Foi o começo de um fenômeno cultural que começou no Japão e foi exportado para diversos países, incluindo França, Filipinas, Peru e Brasil.
A primeira série a ser exibida por aqui foi National Kid, que estreou em oito de maio de 1964 pela TV Rio. Por sua vez, Ultraman foi transmitida pela primeira vez em 22 de maio de 1968 por uma retransmissora da TV Tupi de Recife, que na época emprestava a programação da TV Bandeirantes. Esse foi o primeiro momento marcante do tokusatsu no Brasil, de acordo com Danilo Modolo, responsável pelo Tokudoc, o maior canal do Youtube dedicado exclusivamente a esse gênero e que surgiu “aproveitando a facilidade da internet de juntar todas essas gerações pra falar de um tema hoje pequeno, mas que ainda traz alegria, nostalgia e novidade ao mesmo tempo pro pessoal ainda apaixonado pelo tema.” Ele ainda diz que “qualquer um nascido naquela época se lembra com muito carinho desses heróis, mas o apelo comercial era muito menor.” Esse cenário mudou na década de 1980, quando o empresário Toshihiko Egashira, na época proprietário da video-locadora Golden Fox, localizada no Bairro da Liberdade em São Paulo, viajou até o Japão para negociar com a produtora Toei Company os direitos de Jaspion e Changeman, séries que foram lançadas primeiramente em VHS no ano de 1987. A estreia na televisão, mais precisamente na hoje extinta Rede Manchete, aconteceu há exatamente 30 anos, em 22 de fevereiro de 1988. Segundo Danilo, essas produções desbancaram “qualquer aposta contrária, vendendo milhões em produtos e elevando a audiência da TV Manchete, fazendo outras emissoras, que não acreditavam no potencial da ‘tosqueira japonesa’, se render, causando um desgaste no gênero”. Isto se comprova nos anos seguintes com a exibição das seguintes séries nas emissoras concorrentes: Bicrossers, Gavan e Shaider pela Rede Globo; Goggle V, Machineman, Metalder e Sharivan pela Band, além das reprises exaustivas de séries já veiculadas pela Manchete na TV Gazeta e na Record, como Changeman, Flashman e o próprio National Kid.
O último momento mais marcante dos seriados live-action japoneses foi na metade da década de 1990, quando a primeira das três temporadas de Mighty Morphin Power Rangers estreou nos Estados Unidos, adaptando a série da franquia Super Sentai Zyuranger. Com isso, “o mundo todo se rendeu aos heróis coloridos, causando uma febre jamais vista. Hoje é a franquia de maior sucesso, sem nenhuma dúvida”, ressalta Danilo.
O aumento de interesse do público por essas séries, em cada um desses períodos, aconteceu de formas diferentes, como explica Danilo: “o primeiro ‘boom’ foi pela novidade, os efeitos especiais e a parte incrível da ficção científica. No segundo, mais casas tinham televisão, as reprises, a parte comercial e o acesso aos produtos, foram facilitadores para esse crescimento. Pro terceiro houve tudo isso, mas de forma mundial.”
Brigas entre gerações
Se por um lado a internet facilitou o acesso a muitas outras produções do gênero tokusatsu (tanto antigas quanto novas), por outro acabou criando uma rixa entre espectadores mais antigos (a chamada “Geração Manchete”) e a geração mais nova, que tem a rede como principal meio de informação e entretenimento. É justamente na internet, em páginas de Facebook, blogs e fóruns que essas brigas acontecem. Por experiência própria nas redes sociais do Tokudoc (Facebook, Instagram, Twitter e o próprio YouTube), Danilo disse que as brigas eram mais frequentes, mas atualmente quem se interessa por tokusatsu discute menos. Num plano geral isso acaba se tornando uma bola de neve, pois “os fãs criticam séries que não são de sua época fazendo comparações (geralmente sem conhecê-las) e quem se atualizou e segue acompanhando as novidades responde, como se fosse obrigação de todos saber como as mudanças aconteceram”, finaliza Danilo. Inclusive, um dos motivos de sucesso do canal é justamente a imparcialidade, dando orientações e apresentando uma geração a outra.
Quanto as séries que mais interessam ao público, Danilo pontua que “existem os que viram as séries antigas que pedem dicas de quais ou como conhecer novas produções, assim como os que conheceram Power Rangers e tiveram interesse nas séries originais, aumentando seu repertório, como também existem os fãs nostálgicos, que preferem ficar nas eternas reprises via internet.” No caso dos Rangers, um exemplo está nos Estados Unidos, país de origem da franquia. Desde o ano de 2015, a distribuidora de home video Shout Factory lança as séries originais do Japão o qual Power Rangers se baseia, começando com Zyuranger. O sucesso foi tanto que nada menos que nove seriados foram lançados até agora, com outros dois programados para saírem no segundo semestre: Gaoranger (base de Power Rangers Força Animal) e Jetman (que não foi adaptada para o mercado ocidental). As próprias séries mais recentes amadureceram com o público, onde o foco deixou de ser o “monstro do dia” e passou a ser a trama que gira em torno dos personagens e dos vilões.
Para onde vai o tokusatsu?
No ano passado, a Toei lançou o começo de uma nova série de produções voltada para as gerações antigas e novas, chamada Space Squad. Essa nova franquia se iniciou com o filme “Gavan vs Dekaranger”, que repercutiu no Brasil pela volta do vilão MacGaren, principal adversário de Jaspion, o que aumentou o interesse por produções de tokusatsu. O crossover “Kyuranger vs Space Squad”, por sua vez, irá trazer outro herói preferido dos brasileiros: Jiraya, que será interpretado por um novo ator, a julgar pelo primeiro minuto do filme, divulgado no YouTube. Além disso tudo, a empresa Sato Company, responsável pela vinda da série “Cybercop” para o Brasil, divulgou em fevereiro que quer fazer um remake de Jaspion, filmado no Brasil e com elenco nacional. A pergunta que deve ser feita é: qual o futuro do tokusatsu?
No caso do Japão, “com toda a exportação do material para adaptar as franquias, houve uma pequena revolução na maneira de produzir e inserir o tokusatsu no resto do mundo (falando principalmente de Godzilla e Power Rangers / Super Sentai)”, comenta Danilo. No Brasil, o mercado é complicado devido à dificuldade de inserção na TV aberta e também o poder aquisitivo, responsável por movimentar esse mercado.
A diferença entre Japão e Brasil no mercado de tokusatsu, segundo Danilo, é que no primeiro “é tudo trabalho a curto prazo e anualmente, esperando o sucesso comercial e vendas, no Brasil é mais longo prazo, sendo necessária a audiência para se pensar em utilizar o produto comercialmente e isso, infelizmente, elimina muitas possibilidades de aparecimento de novas séries na telinha brasileira.”
Resta esperar para que, em algum dia, alguma emissora aberta ou serviço de streaming desperte interesse pelo gênero tokusatsu e mais séries possam vir para o Brasil.
Se quiser saber mais sobre a vinda de Jaspion, Changeman, Flashman e outras séries exibidas na Rede Manchete, assista abaixo a uma entrevista do Tokudoc (em duas partes) com Toshihiko Egashira:
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=0diRE7RcgGc&w=560&h=315]
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=45MA9BKxGqM&w=560&h=315]