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Ubuntu digital: empoderamento através das redes

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Por Camila Pasin, Isabela Romitelli e Nathalia Rocha

“Eu sou porque nós somos”. Essa é a síntese da filosofia ubuntu, que diz respeito a uma vida de conexão e respeito ao próximo. Fala sobre um sentimento de empatia em relação à dor do outro. Trata-se de um crença milenar, mas aplicável ao modo como grupos historicamente oprimidos têm se apropriado de ferramentas da contemporâneas, em especial as mídias digitais, como modo não só de união, mas também no sentido de compreensão da situação do outro, que é parte, mas, no contexto de relações de poder entre classes dominantes e dominadas, torna-se todo.
De acordo com a Pesquisa de Mídia Brasileira de 2015, encomendada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), 49% da população do país acessa a internet. Desses, considerando a frequência de uso durante a semana, estão no grupo com maior acesso indivíduos com renda familiar superior a cinco salários mínimos (62%) e com ensino superior completo (72%). Em contrapartida, entre os entrevistados que utilizam a internet até um dia na semana estão os grupos com menos de um salário mínimo (78%) e com ensino fundamental incompleto (91%).
Ainda que o espaço virtual se constitua enquanto ambiente plural e democrático, considerando a parcela da população que ainda não tem acesso a essa ferramenta, existe, ainda, um lacuna entre essa e a minoria incluída na era da informação. Em 2012, o Brasil estava em 72º lugar no Mapa da Inclusão Digital. No oitavo Objetivo do Milênio estabelecido pela ONU até 2015, cujo intuito é estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento, destaca-se a importância de “tornar acessíveis os benefícios das novas tecnologias, em especial das tecnologias da informação e de comunicações”. Considerando os dados da Pesquisa de Mídia Brasileira, nota-se que ainda faltam esforços no sentido de ampliar o acesso às ferramentas digitais.

Dados sobre o acesso às tecnologias da informação no país I IPEA

Dados sobre o acesso às tecnologias da informação no país I IPEA


Entendendo a inclusão digital como forma de inclusão social, grupos étnicos têm se articulado e usado as ferramentas digitais como forma de empoderamento e valorização de suas identidades. Silvia Nascimento, diretora de conteúdo do portal Mundo Negro, veículo que há 15 anos se dedica à valorização da cultura e identidade do negro, explica a importância de se ocupar esses espaços. “Os blogueiros e vlogueiros negros tem crescido em quantidade e qualidade e eles são fundamentais para a democratização de conteúdo para e sobre a comunidade negra. Sabemos que informação é poder e esse aumento de conteúdo sobre negritude me faz ser uma grande otimista em relação ao futuro do nosso povo”.

Enegrecendo as representações


De acordo com um levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), negros e negras representam apenas 23% do corpo de profissionais, taxa que contrasta com o percentual de pretos e pardos na sociedade brasileira (cerca de 51%, de acordo com o IBGE). A Internet, então, seria uma alternativa a essa falta de representatividade do negro pelo negro na mídia.
“Carecemos de comunicadores e formadores de opinião. Acho que, enegrecendo a imprensa, seremos fontes de matérias que não abordem somente pautas sobre racismo e violência. A imprensa atual só reforça estereótipos e não contribuem para a quebra do sentimento de inferioridade que infelizmente muitos negros ainda tem”, opinou Silvia.
Além dos portais de notícia formados por e para a comunidade negra do país, muitas iniciativas de mídia têm surgido como forma de valorizar a identidade do negro. E isso tem se dado das mais variadas formas, seja por meio da valorização da estética – como ocorre no caso dos blogs e vlogs sobre beleza negra, ou os movimentos e comunidades em prol dos cabelos crespos e cacheados, como o Manifesto Crespo -, ou de grupos e páginas de teor mais político, que procuram abordar questões como feminismo negro, o genocídio da população negra, racismo e o resgate das histórias e origens do povo negro.
A presença do negro nos espaços digitais atua não só enquanto ferramenta interior ao movimento, mas também como tentativa de diálogo com a sociedade como um todo. A Internet funciona enquanto “caixa de ressonância” tanto do oprimido quanto do opressor, de forma que a segregação dos povos não brancos se torna mais evidente e explícita, o que, segundo Silvia, ajuda a desconstruir o mito da democracia racial.
“Quando ocupamos esses espaços que a sociedade racista não reconhece como de todos, os ataques aumentam. A visibilidade, fruto do aumento do alcance das redes sociais, por conta da democratização do acesso à Internet, faz com que saibamos mais sobre os casos de racismos que acontecem”, completa.
Os meios digitais, tendo como característica a redução dos custos de produção e distribuição de conteúdos e a consequente horizontalização dos discursos, acaba por permitir que seja construída uma nova visão acerca do negro, de uma imagem diferente da costumava ser produzida pelos veículos de mídia tradicionais, que vai além da visão negativa que é construída, e isso ajuda na construção da autoestima e valorização do negro.
“Eu acredito que nossa comunidade carece de boas notícias e que elas têm sua relevância quando falamos do poder revolucionário das pessoas com autoestima. Ninguém se orgulharia de ter cabelo crespo se não falássemos que ele é lindo, que fosses as ruas ostentando orgulhosamente nosso cabelo volumoso. Esse é o poder das ações positivas”.

Aldeias digitais


“A Thydêwá nasceu para promover justamente o que a gente chama de consciência planetária, que somos todos diferentes mas irmãos do mundo. Nossa instituição é composta tanto por indígenas, como não indígenas, como sócios promovendo exatamente este diálogo intercultural. Trabalhamos muito com o binômio cultura-comunicação e, nessa perspectiva, começamos também a propiciar a apropriação das novas tecnologias de informação e comunicação por parte dos indígenas”.
Com orgulho, Sebástian Gerlic, presidente da ONG Thydêwá, narra a história do agregador cultural que, entre outras ações, reúne projetos digitais com o intuito de valorizar a cultura e a identidade dos povos indígenas e criar uma relação mais amigável e dialógica com o “mundo externo”, forma como ele se refere ao ambiente fora das aldeias.
“Índios na Visão dos Índios”, projeto que deu início às ações da organização, descrito como a formação de “indígenas de várias etnias e nações para atuarem como historiadores, antropólogos, jornalistas e fotógrafos de suas próprias realidades”, mostra que há uma história que não nos foi contada, algo entre o “descobrimento” em 1500 e os dias atuais que não foi descrita nos livros da escola e nem mostrada pela imprensa de massa.
“Nós instalamos o primeiro computador e as pessoas começaram a se aproximar, começaram a ver que tinha informações sobre o povo deles mesmos que eram verdadeiras, outras que não eram tão verdadeiras assim e outras que eram bem mentirosas. Nos discursos massivos ainda se falava de descobrimento e ninguém falava de invasão do povo europeu nas Américas”, contou Sebástian.
Segundo Gerlic, até os anos 2000, os índios ainda tinham a chance de protagonizar suas próprias histórias e fazer ouvir sua voz através dos meios de comunicação. Foi pensando em mudar este cenário que nasceu a ideia de fundar a Thydewá. A partir de então, as tribos indígenas passaram da situação de tutelados para a de produtores de conteúdo.
“Eles começaram a ver como poderiam ter acesso a informações, como poderiam produzir informações e como produzir informações pode trazer a empatia de construir comunicação e construir relacionamentos e, esses relacionamentos, trazem mudanças” explica.
Inspiradas pelo conceito indígena de oca – lugar onde os membros da tribo reúnem-se para discutir os assuntos comunitários – foram criadas as Ocas Digitais, ou Ciberocas. “Numa oca digital os encontros podem ser bastante mediados pelo digital e as ações bastante realizadas pelo digital, mas não precisam ser exclusivamente virtuais”, explica Gerlic. Nestes locais, grupos de três ou quatro índios reúnem-se para, como auxílio dos computadores e ferramentas digitais, pensar e desenvolver ações em benefício de seu povo e do planeta como um todo.
De início, a Thydewá promoveu algumas oficinas e aulas para ensinar aos novos usuários da rede como usá-las em seu favor. Esse foi o pontapé para que, sozinhos, eles começassem a trilhar seus próprios caminhos na selva digital. “Os índios vão brincando e à distância a gente até acompanha, incentiva, promove e critica, mas obviamente é no protagonismo, na vontade, no desejo e na demanda deles mesmo que o projeto vai crescendo, avançando, criando corpo e tendo seus louros”, relata.
Por meio dos projetos promovidos pela Thydêwá, as novas tecnologias e mídias digitais que antes serviam como espaço de organização dos grupos antiindígenas, passaram a funcionar como amplificador da voz dos grupos por eles oprimidos. “As mídias digitais permitiram um forma um pouco mais acessível, economicamente falando, estruturalmente falando, de deixar a condição de excluídos, dando mais facilidades para assumir e protagonizar processos de interação com a sociedade geral”, afirma o presidente da ONG.
Como efeito, além do empoderamento desses povos que, pela primeira vez, se apropriaram de suas histórias e passaram a construir suas narrativas e a ganhar maior autonomia, eles puderam aprofundar o seu diálogo com o “mundo externo”, promovento o que Sebástian chama de “consciência planetária”.
“A gente entende que não é uma sabedoria ou uma cultura, ou ainda uma ideologia que vai salvar o mundo, mas a relação dinâmica, equilibrada entre toda essa grande diversidade de conhecimentos, sabedorias e riquezas. A Thydêwá nasceu para promover justamente o que a gente chama de consciência planetária, que somos todos diferentes mas irmãos do mundo”.
Seja pela ideia de que somos todos irmãos e cidadãos do mundo que pauta os valores indígenas ou pela ressignificação digital de estigmas que sempre estiveram ligados à população negra, o “Eu sou porque nós somos” se mostra pela apropriação de ferramentas que ampliaram a voz de suas coletividades e lhes deram, enquanto conjunto, a possibilidade de protagonizar suas próprias histórias. “A nossa bagagem de vida nos dá mais propriedade para produzir conteúdo realçando as nuances daquilo que é relevante ou não para gente”, finalizou Silvia Nascimento.

Conheça os projetos:

Mundo Negro
Thydewa

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Redação

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