Estudante de Jornalismo da Unesp consegue superar o preconceito
Negra e cristã. Essas duas palavras já dão margem para o preconceito, principalmente dentro da universidade. Mas isso não desamina Lílian Josielle Nunes Pereira, estudante do primeiro ano do curso de Jornalismo da Unesp de Bauru e nascida em São Luís, no Maranhão. Atualmente ela mora em Cotia, na região metropolitana de São Paulo.
Dizem que pessoas de origem humilde tiveram uma infância triste, como Lílian conta a seguir: “Eu lembro de um dia que minha mãe chegou pra gente e avisou que voltaria a trabalhar todos os dias da semana (ela é diarista). Isso me deixou muito triste e eu fiquei doente”. Por outro lado existem momentos de alegria: “Uma vez eu lembro que meu pai chegou com uma sacola cheia de brinquedos que ele tinha ganho da empresa que ele trabalhava, fiquei muito feliz”.
Cristã desde o nascimento, Lílian diz que seus amigos sempre a respeitaram por ter uma crença, “mas já aconteceram situações na qual apontaram alguns pastores da minha igreja para falar mal”, complementa. Ela ainda disse que nunca houve uma discriminação aberta por ser negra, mas muitos já zombaram de seu cabelo crespo e ela também percebeu um racismo mais sutil em relacionamentos passados.
Quando questionada sobre alguma mudança de pensamento na sociedade em relação às minorias, Lílian comenta que “até agora a única mudança real que acontece foi o fato das minorias terem voz ativa pra denunciar e demonstrar como se sentem. A sociedade continua machista, racista e homofóbica e continua enxergando essas minorias do mesmo jeito (talvez tenha reduzido o número de pessoas que pensem assim), hoje em dia só há uma preocupação em não externalizar o preconceito mesmo”.
Lílian ainda diz que sempre cursaria uma faculdade ligada à área da comunicação: “No segundo ano do ensino médio eu fui em uma feira de profissões que ocorreu uma oficina de Jornalismo, eu estava na dúvida entre gastronomia e jornal e já tinha visto a grade de algumas faculdades. Então quando eu fiz a oficina eu vi que era exatamente o que eu queria: conhecer pessoas e contar as histórias delas”. Se mudar para outra cidade, nesse caso Bauru, já estava nos planos de Lílian desde o terceiro ano do ensino médio. Ela conta que “a mudança ainda sim foi um soco, eu percebi que coisas básicas faziam multa falta”.
O dia a dia de Lílian em Bauru é muito semelhante ao de alguns estudantes que vêm para Bauru cursar o ensino superior: “O meu dia é basicamente acordar, tomar café e ir pro ponto de carona com destino à Unesp. Depois da aula volto para casa, almoço e fico no celular. Às terças eu fico o dia inteiro na Unesp, às quartas eu tenho terapia e grupo familiar (culto no lar). Nos fins de semana eu costumava frequentar a Assembleia de Deus e ir à feira, mas isso mudou, já que eu me mudei de igreja e eu nunca fui muito frequente.
Antes de vir para Bauru, Lílian passou por algumas dificuldades, incluindo o desenvolvimento da ansiedade: “o fator principal foi a carga horária de estudos que eu tinha. Estudava em período integral, além dos estudos para o vestibular”. Ela ainda relata que a mãe não concordou com sua aprovação para a segunda fase e, após passar em definitivo, por questão de segurança, não queria deixar que a filha fosse sozinha: “Quando eu cheguei em Bauru pra ficar de vez não parecia que eu estava realmente vivendo aquilo, que havia saído de casa aos 17 anos. Inclusive demorou um mês pra ficha cair definitivamente”.
Assim como a maioria dos estudantes que vêm de fora, Lílian também sofre com dificuldades financeiras: “Minha mãe é diarista e meu pai monta móveis em uma loja. A gente sempre passou por dificuldades financeiras. Também tenho dois irmãos e uma prima, e quando eu passei todos eles trabalhavam e mesmo assim ainda é difícil me manter aqui. Todos os meses não houve um que eu não tive algum tipo de crise que foi influenciada por isso”. A situação se agravou neste ano: em julho, a mãe de Lílian foi despedida de uma das casas onde trabalhava, e no começo do ano o irmão saiu do emprego. “Como eu sou diurna, meu horário é péssimo para um emprego. Mas esse é meu sonho e eu não pretendo sair daqui sem meu diploma”, completa.
Mesmo assim, Lílian é uma pessoa de sorte, com uma história no mínimo curiosa: “Eu tinha que vender 10 rifas para o sorteio de um iPhone e eu só vendi uma, então comprei outra e acabei ganhando um iPhone novinho!”.
Além disso, ela ainda conta com uma ajuda muito especial: “Tem meu namorado que é meu melhor amigo e me ajuda em tudo, desde me acalmar quando estou chorando até me ajudar com meus trabalhos da faculdade. Eu vejo ele uma vez por mês e meu coração se parte um pouquinho em cada despedida. Ele mora em Santos e isso é um dos fatores que me seguram aqui”.
Sobre o futuro, Lílian espera, além de se formar e conseguir um emprego, “casar, fazer meu mestrado e trabalhar com Jornalismo Investigativo”.