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Videogame para mulheres

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O tema é moderno mas os hábitos conservadores: entenda como as mulheres lutam por mais espaço dentro do mundo dos jogos .
Por Letícia De Maceno

Um recente estudo publicado em 2016 pela Internet Advertising Bureau revelou que 52% da audiência dos videogames é composta por mulheres. É exatamente isso que você entendeu, a maior parte das pessoas que jogam videogame são do sexo feminino. De certa forma essa informação parece uma surpresa, não é?! Mas não deveria. A pesquisa anterior era de 2014 e mostrou que 49% do público era feminino, ou seja, as mulheres sempre ocuparam um espaço muito importante dentro desse universo e o que os números mostram é que essa participação aumentou ainda mais com o tempo.
O que acontece é que os jogos em geral ainda carregam um forte estereótipo de serem apenas passatempo para garotos. Esse estereótipo é reforçado diariamente pela grandes produtoras. Basta pensar um pouco na primeira ideia que vem na cabeça quando falamos de jogos: consoles caros, jogos cinematográficos, armas e referências machistas. Mas a realidade se mostra diferente já que os jogos mais populares atualmente são os feitos para smartphones, e os gêneros mais jogados são os “quebra-cabeças”e os tradicionais jogos de palavras. É claro que isso não é facilmente aceito e grande parte da comunidade conservadora dentro dos jogos considera que essas categorias sejam menos importantes que as “tradicionais”.  

foto-2O número de mulheres nos games tem aumentado consideravelmente nos últimos anos. Foto: Divulgação.

Nos últimos anos, a noção do que significa “jogo” cresceu incluindo assim uma variedade de experiências acessíveis para um público que vai além dos tradicionais fãs dos consoles mais famosos, e isso é muito bom para a o universo dos games que se fortalece dentro da nossa cultura diariamente. Enquanto os jogadores “hardcore” brigam com a indústria tradicional para discutir se certos games são ou não considerados games, as pessoas estão por aí jogando. Isso acabou gerando questões maiores: as mulheres jogam mais esses tipos de jogos para smartphone porque gostam ou porque ouviram muitas vezes que os jogos de consoles tradicionais não eram pra elas? Afinal, videogames com protagonistas mulheres são poucos, e até mesmo ser capaz de jogar como uma mulher dentro das opções do jogo já é muito difícil. Isso sem entrar nas questões mais complexas, por exemplo, o baixíssimo número de pessoas negras e LGBT, entre outras minorias, representadas no jogo. Ainda por cima tem o fato de que, apesar de as mulheres comprovadamente representarem o maior índice de jogadores online, nos bastidores é totalmente diferente. As grandes produtoras costumam ser compostas apenas por homens, e quando há presença de mulheres, essa presença é extremamente mínima. Uma recente pesquisa também mostrou isso, por exemplo, no Reino Unido apenas 3% de todos os programadores de jogos são mulheres. E até mesmo nos eventos e conferências de jogos é fácil notar que há poucas pessoas do sexo feminino. E não é porque as mulheres não têm interesse na área.
 

E a produção?

Gary Gygax, criador do famoso jogo Dungeons & Dragons, uma vez disse a uma repórter que “jogos em geral são algo masculino, todo mundo que tentou criar jogos interessantes para uma grande audiência feminina falhou, acho que isso se deve ao processo de pensamento, que é diferente em homens e mulheres”. Apesar de equivocado de muitas maneiras, seu pronunciamento ainda é usado como fato de valor por muitas pessoas. É lutando contra isso que diversas mulheres lançaram o livro “Mulheres no mundo dos desenvolvedores” (Women in Game Development). Ao contrário das palavras de Gary, essas são mulheres que lutaram contra o que parecia óbvio e estão ajudando outras mulheres a fazerem o mesmo. O livro delas é uma tentativa de quebrar esse ciclo tóxico que afasta as mulheres da indústria.  
Apesar de essas mulheres terem jogado durante grande parte de suas vidas, elas descrevem no livro um sentimento de “intrusas” quando ficavam, por exemplo, depois da aula num computador do colégio, ou pediam para participar de um jogo multiplayer. Os jogos para elas não eram apenas passatempos, eram algo que complementava suas identidades, algo que fazia parte de suas vidas. O livro, entre outras histórias, contém trechos em que as mulheres jogam escondidos, mudam sua identidade no ambiente virtual e coisas do tipo. A identidade de gênero sempre foi um obstáculo para as mulheres que gostam de jogar.
Karisma Williams, designer da Microsoft, escondeu completamente sua identidade, deixando impossível identificar seu gênero e raça, assim naturalmente seus amigos online pensariam que era um homem branco. Laralyn McWilliams, chefe creativa da Skydance, fez tudo o que pude para evitar que fosse mencionada no colégio mesmo sendo a única com vastos conhecimentos em informática, segundo ela:

“Mais mulheres no desenvolvimento de jogos vai ajudar a resolver esse problema humanizando e quebrando a forte ideia de que jogos são coisa de meninos. Tanto no contexto pessoal quanto no profissional.”

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O livro “Mulheres no Desenvolvimento dos Jogos”. Crédito: divulgação.

Numa área tão hostil, uma opção para as mulheres é sair. Lean Out é outro livro que também traz uma série de histórias sobre mulheres na área da tecnologia. Segundo a publicação, em muitos casos as mulheres acabam desistindo em favor de sua saúde mental. Abusos psicológicos e físicos constantes, os salários baixos e a pressão direta fazem com que as mulheres dentro dessa indústria adoeçam. Muitas mulheres abandonaram a área. “Não somos obrigadas a passar por isso”.
Lean Out é um ótimo livro, mas Women in Game Development vai além mostrando que essa atitude de ignorar o problema não vai mudar a indústria de jogos. É importante que as mulheres cuidem de sua saúde mental e não tolerem nenhum comportamento que prejudique isso. Se mulheres abandonam indústrias, a cultura dos jogos fica cada vez mais distante do público feminino.  

“Não pense em encaixar as mulheres no mundo. Pense num mundo que se encaixe nas mulheres.” (Women in Game Development).

Ganhar dinheiro jogando?

O mundo dos jogadores profissionais também viu aumentar o número de mulheres no último ano. Pesquisas indicam que o aumento foi de 15 para 30% dos jogadores profissionais. Mas mesmo com a crescente audiência, as mulheres parecem quase invisíveis na arena de jogos.
Enquanto o sexismo ainda tem culpa, o número baixo de mulheres que jogam profissionalmente também é resultado de estratégias de marketing com um objetivo simples: atrair homens entre 21 e 34 anos, de acordo com a mesma pesquisa. Empresas como Intel e Coca Cola investem em eSports, o conhecido esportes on-line,  mas deixam claro que não estão interessados na área profissional, mas mais especificamente nos “homens jovens”, completa o estudo.
A audiência mundial de torneios profissionais de eSports explodiu de 8.4 milões em 2010 para 70 milhões de “viewers” no último ano nos Estados Unidos. Aqui no Brasil não é diferente e apesar de as transmissões de eSports serem raras, é claro o interesse crescente no ramo e diversas emissoras de esportes tem incluído a vertente em sua programação.
Contra essa maré está Serena, ela é jogadora profissional e em entrevista descobrimos um pouco mais desse universo aqui no Brasil
JE: Como você se lembra das primeiras experiências com video-game?
Serena: Em 1998 quando eu tinha 6 anos minha mãe ganhou um nintendo 64 numa rifa. Meu irmão jogava na minha frente e era bem melhor que eu, e eu resolvi que ia treinar sozinha até ser melhor que ele. Eventualmente rolou! No começo pensava como um hobby mesmo e jogava entre os amigos que moravam comigo. Mas aí diziam que eu jogava até bem… “para uma garota” e que eu deveria ter time. Foi um processo um pouco lento porque eu não conhecia pessoas do cenário mas eventualmente consegui vaga num time.
JE:Você se depara com situações machistas no ambiente virtual? Como você lida com elas?
Serena: Já me deparei sim. É frequente, sim. Normalmente eu sou irônica, mas já foi algo que me fez ficar bem triste. Hoje em dia eu só monto lobbys com amigos e amigas que não fazem muita distinção pelo meu gênero. Apesar disso, em alguns momentos ainda sinto até meus amigos sendo um pouco machistas comigo sem perceber.
 
JE:Como é o apoio? Fora do Brasil é melhor?
Serena: Nós vemos isso em vários esportes no Brasil e no mundo afora. Times masculinos recebem muito mais atenção e apoio que femininos. Pra mulheres, é complicado ter vontade de continuar jogando e se empenhando numa atividade que não vai render nada como profissão especialmente quando é um cenário hostil. Quando uma mulher faz streaming, por exemplo, os comentários nunca são “joga muito, continue treinando” e sim “mostra os peitos!”… Bate um desanimo…O cenário da América do Norte, da Europa e de alguns países da Ásia tem mais investimento, por serem cenários com mais tempo de atividade, então times femininos também recebem mais apoio (apesar da diferença entre as premiações de campeonatos femininos x masculinos ser GRITANTE). O Brasil recebe menos incentivo e é comum times (masculinos) saírem do Brasil para tentar crescer treinando com times da América do Norte. Recentemente uma line brasileira assinou com uma organização de Portugal para conseguir jogar um campeonato na França!
 
JE: Mas você vê que isso está mudando?
Serena: Definitivamente sim, e é um processo que está acontecendo em diversos setores. Alguns dos melhores blogs de egames que eu acompanho são escritos por mulheres, e eu procuro adicionar sempre meninas que vejo jogando, comigo ou contra, pra nos conhecermos e assim fortalecer o nosso cenário.
JE: O que você diria para as garotas que pensam em se profissionalizar?
Serena: A primeira dica é não desistir. As circunstâncias são ruins, mas não desista. Custa dinheiro e tempo, mas se nós não percorrermos o caminho não deixaremos uma trilha para outras garotas. É importante pensar que se está ruim agora, quanto mais de nós jogarmos, mais “natural” vai ser no futuro, e outras minas vão perseguir o sonho delas com menos dificuldades.
JE: Como está seu futuro?
Serena: Gostaria de voltar a competir, eu gosto muito do foco e empenho que são requeridos quando você está num time. Isso faz falta, mas ao mesmo tempo, é difícil passar tanto tempo treinando pra jogar campeonatos com premiações péssimas e organizações que oferecem pouco e cobram muito. Então foi algo que eu decidi, que só tentaria novamente se tivesse algumas garantias em relação a organização que estou representando.
 
Conversamos um pouco com a Beatriz Blanco, ela escreve sobre video-games, é formada Midialogia pela Unicamp. Atualmente presta serviços de produção de conteúdo como freelancer em games e tecnologia
JE: Qual sua relação com os jogos?
BeatrizMeus pais sempre gostaram e eu sempre tive videogames e computador em casa, porque ele na época trabalhava com TI (eram os anos 1990 e computadores pessoais ainda não estavam tão populares no Brasil, mas já tinha um e um Atari 2600 também). Comecei incentivada pelo meu pai quando tinha 4 anos e desde então jogo junto com ele. Sempre como hobby, passei a infância jogando bastante, principalmente adventure point and click no computador. Como profissão foi por acaso, eu comecei a faculdade de Midialogia na Unicamp mais interessada em cinema e acabei indo para a área de desing digital/ games.
JE: Quando se tornou profissional?
Beatriz: Tinha facilidade com escrita porque na época tinha acabado de defender meu mestrado em Artes Visuais também pela Unicamp, sobre web arte, e já tinha pesquisado bastante questões do design de interatividade, então já fazia um tempo que eu escrevia sobre o assunto, para produção acadêmica. Mas eu também tinha blogs, trabalhava com imprensa dentro de redação (na época era infografista na EXAME.com, na editora Abril) e isso me trouxe familiaridade com o meio. Foi meu namorado que acabou me incentivando, porque eu sempre joguei muito e lia muito sobre história dos games e sobre game design, a escrever sobre o assunto, me convidando para mandar alguns textos como colaboradora para o site em que ele é editor, o Bonus Stage. Acabei curtindo, ganhando uma certa visibilidade, participando de eventos… aí virou profissão também, vai ser o tema do doutorado que pretendo começar no próximo ano, e hoje eu dou aulas e trabalho como repórter freelancer na área.
JE: Você lida com o machismo frequentemente?
Beatriz: Sim e sim, é muito frequente. Situação bizarra de agressão mesmo eu só vivi uma, logo no começo da minha carreira, em 2013: um ex colaborador do Bonus Stage ficou incomodado com um texto sobre machismo nos games que escrevi, saiu do site e ele e a esposa publicaram um texto no Facebook público me chamando de “feminazi louca” (desculpe os palavrões em nome da fidelidade ao relato), mas não citaram diretamente meu nome para eu não conseguir processar. Felizmente o resto da equipe ficou do meu lado e tudo ficou bem apesar das ofensas terem me aborrecido muito naquele momento. Mas em geral o machismo do meio não se manifesta dessa forma super agressiva, ele é sutil e vem inclusive de pessoas que se dizem pró feminismo nas redes sociais e se posicionam assim na profissão. O mais frequente é eu me sentir diminuída ou ignorada entre uma equipe de homens. Não acontece no Bonus Stage e nunca aconteceu no meu trabalho como colaboradora para a Intel, porque são duas equipes que realmente estão muito avançadas na questão de igualdade de gênero. Mas quando vou trabalhar na cobertura de eventos, por exemplo, e meu namorado que também é produtor de conteúdo na área está presente, é frequente outros jornalistas e assessores me tratarem como acompanhante dele apenas. Acontece muito de eu só ser convidada para programas e podcasts quando ele também é. Durante uma discussão de trabalho, enviei um email com esclarecimentos a um ex-colega de equipe e ele respondeu copiando meu namorado na mensagem e se dirigindo a ele, embora a conversa a princípio nem o incluísse. Esse tipo de coisa é comum. São machismos sutis e bem desconfortáveis de apontar, porque quando você fala disso parece sempre que é exagero, loucura. Da agressão mais aberta é mais fácil de se defender.
Da parte do público tem ficado mais raro, mas ainda acontece bastante também, principalmente em vídeos do YouTube: se estou dando uma opinião controversa em um debate com homens, por exemplo, mesmo que eles concordem comigo, só eu serei xingada nos comentários. Geralmente o público te acusa de não saber nada de games só por ser mulher. E se você demonstra conhecimento com fontes, de ser esnobe, essas coisas.
Eu lido com isso pensando sempre em ao mesmo tempo me posicionar e me defender do desgaste. Costumo responder a machismos de forma bem humorada e clara, geralmente com um “fulano, isso é machismo viu” ou “oi, eu estou aqui” em tom de brincadeira, ou me fazendo de sonsa para levar o machista a se expor mais. Comentários e ofensas eu aprendi a ignorar, embora não os esqueça. Mas chega um ponto em que você se sente segura do seu conhecimento e não te afeta mais. Mas claro, é frustrante. Penso muito que as coisas poderiam ser bem mais fáceis sem isso.
A sensação de não pertencimento e a competitividade são excessivos. É difícil estar em um meio em que você quase sempre é tratada como segunda classe, mesmo por pessoas que dizem não pensar assim. E para piorar quando encontramos outras mulheres na cena é frequente que exista uma competitividade nada sadia, já que estamos todas inseguras com o ambiente hostil e todo mundo fica tentando se provar. Encontrei amigas maravilhosas no meio, mas também encontrei muita picuinha e drama. Pessoas acuadas agem assim. Ainda precisamos avançar bastante.
JE: Que dica você daria para as meninas que estão nesse universo?
Beatriz: Criem uma rede de apoio. Vocês sofrerão em algum momento e passar por isso com a ajuda de pessoas legais e acolhedoras é essencial. Encontrem outras mulheres na área e sejam amigas. Não cedam à tentação da competição doentia. Aprendam a se sentirem confiantes do seu valor e persistam: vocês são muito importantes para mudar esse cenário machista.
 

E o futuro?

Enquanto os jogos são inegavelmente parte do “mainstream” cultural, grande parte de sua indústria ignora isso. Os jogos não representam que 52% dos jogadores se identificam como mulheres,e mulheres nos jogos – como personagens e como criadores – ainda são pouco visíveis.
Mas nós existimos, e estamos fazendo jogos, jogando jogos e falando sobre eles. Do ponto de vista puramente comercial, faz sentido para a indústria de jogos fazer um esforço para ser mais representativo de seu público. Desenvolver jogos que atraiam um público mais amplo requer uma ampla gama de perspectivas e diferentes pessoas envolvidas no processo. Afinal, os jogos são para todos.

foto-3Tradução Livre: “Se você tem problemas em perder para um garota, você tem problemas maiores do que perder para uma garota”.
Redação

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