Por Ana Raquel Mangili, Jorge Salhani e Tamiris Volcean
Relacionamos a palavra biblioteca a, primeiramente, livros físicos, de papel. Ao pensarmos nesses espaços, forma-se, em nossas mentes, a imagem de longos corredores, repletos de livros dos mais diversos gêneros, com capas coloridas e diferentes tamanhos.
A típica imagem de uma biblioteca, entretanto, mudou nas últimas décadas. Com o avanço das tecnologias e a necessidade da modernização, o perfil das bibliotecas é outro: encontramos, com frequência cada vez maior, acervos digitalizados e recursos digitais, que visam facilitar o acesso a todas as pessoas.
Houve mudanças tanto na infraestrutura dos prédios quanto na arquivação dos acervos. As bibliotecas brasileiras andam por um caminho mais lento quando comparadas às de outros países. De acordo com estudo de Maria Irene de Fonseca e Sá: ainda estamos aquém nas tecnologias utilizadas em bibliotecas, pois, enquanto em países europeus, como França e Alemanha, existem impressoras 3D disponíveis aos usuários, no Brasil o foco da modernização ainda são os computadores e a internet, que ainda não estão disponíveis em todas as bibliotecas do país.
Para o supervisor técnico Breno Luiz Ottoni, da Seção Técnica de Referência, Atendimento ao Usuário e Documentação (STRAUD) da biblioteca da Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Bauru, os recursos tecnológicos facilitam e democratizam o acesso dos usuários às bibliotecas, uma vez que o acervo pode ser consultado de qualquer computador com internet.
Ele ainda destaca que, por as bibliotecas continuarem ofertando seus serviços de forma presencial, a digitalização dos acervos não prejudicam as pessoas que não têm acesso à internet.
Uma das vantagens da tecnologia para as bibliotecas foi a invenção de recursos de acessibilidade. De acordo com o decreto nº 5.296 de 2004, deve-se promover a acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. O decreto menciona as bibliotecas como estabelecimento que deve ser acessível.
O projeto “Acessibilidade em Bibliotecas Públicas” é um exemplo. Ele busca contribuir com a democratização do acesso às bibliotecas públicas e com a garantia dos direitos das pessoas com deficiência ao conhecimento e informação. O site traz notícias sobre o tema, além de disponibilizar livros acessíveis.
O decreto 5.296/2004 prevê que as bibliotecas e outros estabelecimentos sejam acessíveis a pessoas com deficiências ou mobilidade reduzida.
Na biblioteca da UNESP de Bauru, os recursos disponíveis são equipamentos para pessoas cegas ou com baixa visão, que facilitam a leitura de materiais impressos. Ottoni cita alguns deles: scanners de voz, softwares leitores de tela, linha braile, aumentador de caracteres.
A utilização desses dispositivos, porém, é baixa, segundo o supervisor técnico. Isso se deve, provavelmente, em decorrência da quantidade de pessoas cegas e com baixa visão que frequentam a biblioteca: “é preciso dizer que a biblioteca é aberta ao público da cidade de Bauru, mas, por estar localizada em uma região afastada do centro, provavelmente as pessoas com deficiências visuais tenham dificuldade em se locomover até aqui para usar os equipamentos”, afirma.
Ottoni ainda relembra que o perfil dos frequentadores das bibliotecas também mudou: o público é mais independente que antes, já que se veem encontrando soluções para as possíveis dificuldades informacionais.
44 anos de histórias em Bauru
Em Bauru, a Biblioteca Municipal “Rodrigues de Abreu” é referência para os amantes da literatura. Com mais de 40 décadas de existência, a biblioteca é informatizada desde 31 de agosto de 2002 e, atualmente, conta com um acervo de 44 mil obras disponíveis, além de periódicos, vídeos e hemeroteca.
Localizada em uma das principais avenidas da cidade, a Nações Unidas, faz parte do Centro Cultural “Carlos Fernandes de Paiva” e atende os habitantes de toda a região. Recentemente, passou por uma reforma promovida pela Secretaria Municipal de Cultura, a qual visou a retirada do piso de borracha para instalação de piso de cerâmica e adaptação do balcão de atendimento para torná-lo mais acessível.
Kerolin Martins é estudante da rede pública e faz aulas de ballet no Centro Cultural. Conheceu a biblioteca por acaso, enquanto esperava seus pais a buscarem no final da tarde. “Eu entrei em uma biblioteca pela primeira vez aos 14 anos. Até então, só tinha contato com os livros disponíveis na escola, que não são muitos. Agora, sempre que preciso fazer um trabalho ou esperar pelos meus pais, fico aqui entre as prateleiras, que estão novinhas”, conta a adolescente.
A “Rodrigues de Abreu” recebe, ainda, muitos estudantes. Apesar da popularização da internet, uma grande parcela não tem conexão em casa e, por isso, utiliza os computadores disponíveis para pesquisa. De acordo com Sueli Pereira, bibliotecária, 40 pessoas visitam o lugar por dia, e o número total de empréstimos por mês é de, aproximadamente, 1300 livros. Os mais alugados são os de ficção nacional e estrangeira.
“O movimento caiu bastante. Há 15 anos, presenciei filas nesse balcão. Não havia outra fonte para quem quisesse ler”, afirma Maria Idalva Soares, que é funcionária aposentada da Secretaria Municipal de Cultura, mas continua frequentando o prédio semanalmente.
Quando questionada sobre as transformações tecnológicas ocorridas na biblioteca, Maria Idalva diz que o acervo digital contribuiu para a vida dos bibliotecários, que, agora, têm maior agilidade de busca e registro. No entanto, a “Rodrigues de Abreu” ainda não disponibiliza seu catálogo digital para consulta pública.
“Os computadores começaram a chegar há 14 anos, mas, por aqui, o avanço ainda é lento. Hoje, temos tudo catalogado e trabalhamos com código de barras, mas a população ainda depende da consulta no balcão ou da procura nas prateleiras para encontrar os títulos desejados”, ressalta Sueli.
Após o término da reforma, em outubro de 2016, todo o acervo foi reorganizado, assim como a iluminação foi renovada. Agora, a Biblioteca Municipal “Rodrigues de Abreu” pretende, até 2020, investir em tecnologia e informatização.
As mudanças na biblioteca de uma cidade pequena
Um dos principais obstáculos para a modernização tecnológica das bibliotecas hoje em dia é a falta de verbas públicas para a instalação e manutenção dos recursos digitais. Isso acontece com certa frequência em cidades pequenas, como Barra Bonita. Localizada no interior paulista, o município conta com, aproximadamente, 36 mil habitantes (Censo IBGE/2014) e apenas uma biblioteca municipal.
A Biblioteca Doutor Orlando Lopes foi criada em novembro de 1965 e, após algumas mudanças de endereço, se estabeleceu em prédio próprio na cidade em 1985. Seu acervo, atualmente, é de mais de 35 mil livros. Porém, os registros das obras e de seus empréstimos ainda são feitos em fichas, pois não há computadores operacionais no local para o arquivamento dos dados.
“Não há nenhum projeto futuro de digitalização do acervo. Os únicos computadores da biblioteca foram doados pelo Projeto Gesac, do Ministério das Comunicações, no ano de 2005, mas hoje estão inativos por falta de manutenção. Infelizmente, o poder público não valoriza a biblioteca. Não há verbas nem para manutenção, nem para a compra de livros e a assinatura de jornais e revistas”, conta a escriturária e bibliotecária Maria Regina Stramontinoli Morante.
O citado Projeto Gesac é o programa Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão, gerenciado pela Secretaria de Inclusão Digital do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Seu objetivo é proporcionar conexão à internet em banda larga de forma gratuita a escolas, telecentros e demais unidades públicas em todo o país. Ou seja, não é um programa voltado apenas para bibliotecas, mas ajudou a revitalizar, por um tempo, a biblioteca municipal Doutor Orlando Lopes. Maria Regina relata que a recepção dos computadores do projeto, pelos frequentadores da biblioteca, foi positiva na época.
“Mas, hoje, o local já não é tanto frequentado. O principal público leitor que ainda temos são crianças, que vêm procurar livros indicados como leitura obrigatória pelas escolas, e idosos, que preferem livros físicos aos digitais. Antigamente, havia movimento intenso, com leitores vindos até da cidade vizinha, Igaraçu do Tietê. A média de empréstimos era de 800 a 1000 retiradas mensais, e as doações, cerca de 130 ao ano. Elas também diminuíram devido à ausência de maior espaço físico na biblioteca. Precisamos resolver alguns desses problemas básicos, como também a falta de assinatura de revistas e jornais, antes de pensarmos em projetos digitais”, finaliza Maria Regina.
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