“Videogame não vai te levar a nada”. É o que dizem muitos pais ao se depararem com seus filhos parados o dia todo em frente a uma tela ao invés de estudar ou trabalhar. Para alguns, os games são uma distração, entretenimento que alivia. Para outros, os jogos representam verdadeiras obsessões que de fato podem ser prejudiciais para a vida. Porém, para os streamers, jogar é uma profissão.
São jovens de várias idades, cujo trabalho se consiste em transmitir – através da plataforma de vídeos Twitch – as horas jogadas ao vivo para um público fiel que pode chegar a até 20 mil pessoas por transmissão. Como Daniel Marcon (21), conhecido como Daniels pela comunidade gamer, que é streamer do time brasileiro INTZ e que conta com mais de 5 milhões de visualizações em seu canal.
Acordar, trabalhar e voltar pra casa. Ser um trabalhador é sinônimo de ter uma rotina estabelecida. Um hábito diário de tarefas que devem ser feitas. Para os streamers, isso não é diferente. “A minha rotina é um pouco livre. Tento sempre fazer uma média de seis horas de stream por dia, ligando por volta das 10 da manhã, e, às vezes, fazendo duas streams de três a quatro horas para mudar um pouco o horário e mais gente poder assistir”, conta Daniels.
Assim como o home-office, os jogadores muitas vezes trabalham de casa, mas isso não significa, necessariamente, que seus horários são bagunçados e que tenham sua saúde prejudicada. “Às vezes almoço durante a stream mesmo, ou ligo mais cedo e faço essa pausa ali pelas 13, 14 horas pra almoçar. Depois, ligo pela noite após jantar. Quando ligo a stream pela noite, o horário tende a variar um pouco, pois tento dormir sempre umas 8 horas pra estar disposto.”
A exposição dos streamers é muito grande, com muitos deles se tornando famosos e às vezes até grandes celebridades entre o seu público. Marcon conta um pouco de como funciona essa admiração e interação com seus fãs: “eu interajo muito com meu publico pelo stories do Instagram e Twitter. Sou reconhecido mais em eventos de games e animes, pois é o local em que está a maior parte do público, mas é bem comum me reconhecerem em algum shopping ou parque.”
O crescimento dos games leva ao surgimento de um mercado que vai além da produção dos jogos propriamente ditos, que podem ser observados não só na profissão de streamer mas também em um cenário competitivo que traz aos times e jogadores patrocínios e premiações milionárias. Em 2016, o campeonato mundial de League Of Legends (LoL) – um dos jogos mais famosos e assistidos da Twitch – contemplou seus vencedores com um total de 5 milhões de dólares.
Daniel, que transmite suas partidas de LoL, conta que abandonou os estudos para se dedicar somente a ganhar a vida com os games: “Quando eu comecei a focar em stream/Youtube eu estava fazendo faculdade de ciências da computação, em Porto Alegre. Quando a rotina começou a ficar muito pesada eu desisti da faculdade”, conta
Para os jogadores profissionais (pro-players), que participam dos campeonatos, a rotina de treinos e dedicação ao jogo é mais pesada. “Eu não jogo profissionalmente, então altero mais entre minhas streams, meu canal do Youtube e vídeos pro canal da INTZ. Acho que é muito difícil um pro player conseguir ter uma rotina constante de stream. Os treinos são pesados e durante boa parte do dia. Quando eu tive que fazer a escolha, decidi ser streamer”, explica Daniels.
Se os pro-players ganham com patrocínios, contratos com o time e com prêmios oferecidos pelos campeonatos, como fazer stream gera dinheiro? Os streamers ganham dinheiro através de propagandas em seus canais da Twitch, e com as doações de seus próprios fãs, como uma espécie de crowdfunding – que é a “vaquinha” da internet.
“Na Twitch você ganha com inscrições, com 70% de cada inscrito. Também consegue ganhar com as propagandas que você passa durante a transmissão e com o loots.” O loots é uma ferramenta desenvolvida para o formato de streamers no site, onde o espectador manda uma mensagem que aparecerá no vídeo ao vivo, acompanhada de uma propaganda – o que é mais uma fonte de renda.
“Além disso tem os donates, que boa parte eu uso pra sorteio entre os viewers/inscritos, e às vezes faço live de arrecadações para alguma ONG”, continua Daniel Macron. “Como sou contratado do INTZ tenho meu salário da organização e dinheiro de eventos no qual sou convidado pra participar.”
Olhando de longe, pode parecer que stream é apenas uma pequena onda entre os diversos novos modelos de negócio que aparecem com a internet, mas os números mostram que os streamers só tendem a crescer. A Twitch nasceu em 2011, com a proposta de disponibilizar uma plataforma onde as pessoas podem transmitir suas horas de jogo. De acordo com a empresa, aproximadamente 10 milhões de pessoas acessam o site todos os dias, tomando espaço de gigantes como o Youtube.
O crescimento da startup foi tão grande que, em 2014, a Amazon comprou a Twitch por um valor de 970 milhões de dólares. Ainda segundo dados disponibilizados pela empresa, cerca de 2,2 milhões de streamers utilizaram a ferramenta para mostrar a maneira que jogam, em 2016, quando foram assistidos mais de 290 bilhões de minutos em stream. Em comparação ao ano anterior, o site contava com 2,1 milhões de broadcasters e os espectadores passaram cerca de 240 bilhões de minutos assistindo às streams, a mudança apresenta um crescimento de aproximadamente 30% em audiência.
Como uma expansão mais recente, a Twitch lançou a sigla IRL (“in real life”, na vida real) como uma de suas modalidades, permitindo que as pessoas possam fazer stream de coisas da vida como cozinhar, ensinar a dançar e fazer unboxing.
Ganhar a vida jogando videogame antes parecia uma ilusão, mas a era digital e o entretenimento tornaram isso real.