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A arte teatral e seus inúmeros pontos de vista

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A relação subjetiva do ator com o seu trabalho: como fluem os processos criativos em meio aos moldes atuais dessa arte de mais de três mil anos?
Por Lucas Piccolo e Yuri Ferreira

A história do teatro vai muito além de simples encenações e entretenimento para o público. Desde a pré-história, quando os seres humanos aprendiam novos movimentos e estratégias para caçar os animais, a arte de “se disfarçar”, quer dizer, a arte de se personificar em qualquer outro ser vivo, está presente no cotidiano.

É claro que o teatro que conhecemos atualmente não surgiu na pré-história. As tragédias e comédias gregas podem ser consideradas um marco inicial desse “teatro espetáculo”. As tragédias costumavam tratar de temas mais épicos, de situações em que conseguimos destacar um herói – que quase sempre tinha um final trágico. É válido ressaltar que as mulheres não podiam assistir as tragédias, apenas as comédias,  que serviam justamente para descontração, para entreter o público. Grande parte delas, no entanto, utilizava essa audiência para satirizar o governo. Era a forma de manifestação da época.

O “teatro espetáculo” teve seu início mais ou menos nesse período. Foi quando começaram a surgir as grandes construções, os grandes monumentos, que marcaram toda a arquitetura da época. A geografia da região também era importante. Os gregos tinham o costume de construir os teatros nos declives das encostas, proporcionando uma melhor acústica.

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Primeiramente os bancos eram feitos de madeira, mas ao longo do século I.V a.C. a pedra começou a ser utilizada na construção, como o Teatro de Dionísio. (Foto: Pixabay)


Um pouco do teatro no Brasil

No Brasil, a arte teatral começou a manifestar-se no século XVI. Na ocasião, os “atores” eram os jesuítas, que utilizavam o teatro como método para catequizar os índios. No entanto, as casas de espetáculo, da forma que conhecemos hoje – luxuosas e com arquitetura impactante, começaram a ser construídas só depois do século XIX. Durante todo esse período, o teatro passou por diversas eras literárias, sempre utilizando a arte como forma de crítica.

Teatro municipal SP

O Theatro Municipal de São Paulo (foto acima) foi inaugurado em 1911. O do Rio de Janeiro, em 1909. (Foto: Pixabay)

O Teatro de Arena, por exemplo, ficou marcado pela censura durante o período da ditadura. Uma das peças de maior relevância desse gênero teatral é “Eles não usam black tie”, de Francisco Guarnieri, 1958, que retrata uma greve de operários e explicita toda a repressão policial presente naquele momento em forma de crítica.

Contudo, o entretenimento como forma de arte é explorado há bastante tempo no Brasil. As Comédias de Costume, de Martins Pena, se aproximavam bastante do que encontramos nos dias de hoje, no sentido de que retratavam situações cotidianas e banais. O público não precisava ser crítico. A intenção da arte era entreter a plateia.

Ainda que seja uma arte consolidada, o teatro não está presente no cotidiano da sociedade brasileira. Segundo o IBGE, menos de um quarto do país (23,4%) possui um teatro ou uma sala de espetáculos. O que acaba dificultando a produção cultural no país.

Leis de Incentivo a Cultura

Existem alguns incetivos governamentais para fomentar a arte e a cultura como um todo. O principal deles, a Lei Rouanet, existe desde 1993:

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Fonte: Lei Rouanet, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8313cons.htm.   (Imagem: Lucas Piccolo. Texto: Yuri Ferreira)  (Crédito: Piktochart).

Se no âmbito nacional do incentivo público à cultura existe a Lei Rouanet, no estado de São Paulo  o Programa de Ação Cultural (ProAC), criado há 12 anos, é  um modo de captar recursos por meio de editais disponibilizados pela Secretaria da Cultura do Estado. Na esfera municipal bauruense, é possível concorrer aos estímulos oferecidos pela Secretaria Municipal de Cultura por meio do Programa de Estímulo à Cultura (PEC). Com inscrições abertas para propostas no último trimestre do ano.

Perfis de artistas bauruenses

Para além de belas salas, a alma do teatro são os artistas que dão vida as mais variadas personagens e histórias. Por meio do ator é possível refletir os tempos em que se está vivendo. Falar sobre o que está se passando. E se aquele momento é instável politicamente, a inclusão desse tipo de pauta em coisas recorrentes do dia-a-dia é sempre uma boa alternativa. Seja como forma de comédia, seja como forma de protesto.

O teatro é uma das mais reflexivas expressões artísticas existentes, justamente pelas reações que é capaz de provocar, muitas vezes subversivas, incômodas e que interferem no psicológico. Dessa maneira, resolvemos produzir uma série de perfis que reúnem diversas visões acerca do teatro.  E Bauru, cidade do centro-oeste paulista, é o palco que vai dar vida a esses artistas.

Sofia Tognoli

A relação de Sofia, 23 anos, com o teatro ainda é incipiente. No segundo semestre de 2017, ela se inscreveu e passou a frequentar aulas de teatro na Unesp, realizado em parceria da universidade com a Divisão de Ensino às Artes, braço da Secretaria de Cultura de Bauru. “Decidi pelo teatro porque sempre gostei de expressão corporal”, conta. As aulas incluem exercícios para o desenvolvimento da consciência corporal, do foco, da respiração, entre outros elementos. O indivíduo e suas expressões, em si, é quem está sob os holofotes no teatro. Muita gente procura a arte como uma forma de solucionar dificuldades pessoais. Nem todos pensam em seguir a carreira. É o caso de Sofia: “não pretendo me sustentar dessa arte, mas penso em fazer dela um hobbie cotidiano”.

Ela se encantou ao decorrer das aulas semanais: “Imaginei se tratar apenas de ensaios e apresentações. As aulas me surpreenderam no ponto que começamos a prática dos exercícios corporais, uma vez que, sem ter conhecimento da quantidade de exercícios e práticas, pude perceber o quanto se tem a desenvolver do seu próprio corpo e mente com exercícios incomuns”. As atividades, instruídas por uma instrutora de artes – não se encaixam na categoria dos professores -, incluem “andar pela sala”, percebendo a presença do corpo em relação aos seus movimentos, ao espaço e aos outros; fazer duplas e massagear uns aos outros e jogos lúdicos, como formar uma grande roda, em que se troca de posição com uma pessoa a partir do olhar. Nada convencional.

A quebra de padrões faz parte da manifestação artística. “acredito que o teatro não está deixando sua essência social”, ressalta. Sofia acredita no poder transformador do teatro, a partir do contato com o público: “o que me inspira é saber o quanto essa expressão pode chegar ao outro indivíduo de maneira positiva ou negativa, dependendo do que o ator, o elenco ou a equipe desejam passar ao público”.

Ana Amélia Evaristo

Ana Evaristo tem 19 anos e é estudante de Artes Cênicas. Durante muito tempo ela descartou seguir carreira no meio artístico por causa de seu pai, Élio Andreotti, um dos criadores do Solar, núcleo de teatro de Bauru. Após se frustrar na busca de outra carreira, Ana resolveu trilhar o mesmo caminho do pai. “Fiquei 2015, 2016 e 2017, mesmo com essa vontade de fazer teatro, mas tentando Psicologia. Estudei dois anos, fiz cursinho. Focada. Mas sempre tentando ligar a psicologia com a arte, nunca desvinculada. Aí, não passei em Psicologia e me deu um estalo: pode ser Artes Cênicas!”, conta.

Foto Ana

Ana Evaristo interpretou a personagem Tisto no espetáculo “Tistou”. (Foto: Yuri Ferreira)

Uma das principais críticas de Ana ao teatro bauruense é justamente o fato de ser praticamente só voltado para o entretenimento, esquecendo a real essência do artista:

“São duas vertentes. Tem um teatro mais político e um teatro mais voltado para o entretenimento. Você chega aqui no teatro municipal e tem uma peça que custa 80 reais, que vai falar de algo que você vê no cotidiano. O que isso vai te agregar? Na minha visão, nada, quase!”

No que se diz respeito a seguir na carreira de atriz, Ana não é muito convicta se viverá de arte. Hoje ela trabalha no Sindicato Rural de Bauru e estuda Artes Cênicas, mas ela ainda não se considera uma atriz, mesmo já tenha protagonizado o espetáculo “Tistou”, exibido em escolas bauruenses no final de 2017. “Tô nessa de estudar. Tô estudando peças, atores, artistas, performers e eu quero ser atriz. Eu acho que é muita audácia eu falar que eu sou atriz, porque é um processo muito longo e profundo pra você falar: Ah, agora eu sou atriz. Não é só porque eu faço uma peça que eu sou uma atriz.”

Renan Alves

Renan Cesar Alves, 26, é mais uma pessoa que compõe o mapa do teatro em Bauru. É formado em Artes Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná com habilitação em Direção Teatral. Hoje, é dono da Escola Sirius, onde dá aulas. O enfoque da escola é o teatro voltado para musicais, nicho pouco explorado na cidade. Um fator bom e ruim para Renan, já que a procura pelo seu curso é grande, mas ainda é difícil buscar leis de incentivo junto ao Governo Municipal: “se chega com uma proposta diferente, eles vêem como uma afronta”.

Escola Sirius

A Escola Sirius de Teatro fica na rua São Gonçalo 2-80. (Foto: Divulgação)

Ele fala sobre a falta de peças com caráter mais crítico.

“O teatro em Bauru hoje vai muito mais pro lado do entretenimento. Quase 100%. Na questão do caráter crítico, alguns locais como o SESC e o SESI, que são produções que vem de fora trazem uma linguagem um pouquinho mais complexa”. (Renan Alves).

O SESC Bauru não costuma apresentar mais de duas peças por mês, além de algumas oficinas e debates sobre o tema – que acompanham as peças. No Teatro Municipal a frequência é quase semanal. A dualidade à qual Renan se refere é expressa na programação dos dois palcos: a última peça encenada no primeiro foi a Hora e Vez, um romance dramático situado no sertão nordestino. A obra original de Guimarães Rosa adaptada pela Cia. do Sopro é repleta de crítica social. A última peça encenada no Teatro Municipal é uma comédia estrelando Antônio Fagundes, um ator famoso por seus papéis em novelas globais.

Antônio Fagundes é exceção na classe artística em relação a fama, item muito considerado como o ápice de um artista. “Para muitos artistas, o ápice é ser famoso. É importante a gente pensar a fama como uma consequência do seu trabalho. O ápice da vida de um artista é estar pleno no processo de criação”, comenta Renan, que considera uma grande pena a associação da fama ao sucesso do trabalho artístico. E também o que afasta muitos artistas de seguirem buscando a plenitude criativa.

“A gente fica com o pé atrás de fazer arte no Brasil. Num país em que o fomento cultural num contexto geral é muito fraco ou privilegia aqueles que têm uma certa fama. É muito difícil ter um incentivo para projetos que estão começando” (Renan Alves).

Rafael Maia

Rafael Maia tem um perfil diferente. Aos 28 anos e ator desde os dezenove, entende o entretenimento de maneira mais aberta. “Penso eu que todo artista pode fazer o que quiser, pode até ser entretenimento, mas ele tem que ter a consciência do papel social que ele representa”.

Confira um trecho da entrevista com Rafael:

Produção e edição: Lucas Piccolo.

Élio Andreotti

Élio Andreotti é professor e tem uma visão diferente dos demais. Aos 51, pode-se dizer que metade de sua vida, 25 anos, tem sido dedicada ao teatro em Bauru. O começo foi em 1993, mas só em 2010 ele conseguiu iniciar o projeto do Solar.

Sobre ser um “ensinador”  e, principalmente, um motivador, Élio conta qual é a principal dificuldade: “Como professor, o que eu tenho mais dificuldade é afinar o que eu preciso realmente passar, sem querer que meu aluno tenha crenças naquilo que eu tenho”.

Além disso, a relação com o governo não é das melhores. Embora não exista censura, ou seja, embora Élio tenha total liberdade na criação, faltam recursos.

“É uma questão de busca eterna, porque o Estado não tá nem aí. Nós, aqui dentro, a gente não existe. A gente é um fantasma. A gente vaga. Só que existe uma resistência que trabalha na clandestinidade, mas mais porque esse poder constituído tá (sic) colapsado. A gente foi roubado aqui. Roubaram os rádios que a gente comprou. Assim, não teve um pedido de desculpa.” (Élio Andreotti).

Por fim, Élio também vê o teatro com um papel social fundamental. Explorar o ser humano é uma das coisas que mais lhe motiva a continuar dando aulas. “É até triste a gente ver bons atores em produções caríssimas, mas com nenhum aprofundamento sobre o que é o ser humano, sobre qual é o papel do ser humano no planeta”, conta.

Serviços de Teatro em Bauru-SP

Teatro Municipal: tem curso gratuito oferecido pela Divisão de Ensino às Artes (DEA) da Secretaria Municipal de Cultura. Inscrições abertas para o processo seletivo no início do ano.
Endereço: Av. Nações Unidas, 8-9 – Centro
Telefone: (14) 3235-1088

Casa de Cultura Celina Neves: oferece o Curso Livre de Teatro Paulo Neves. No fim do ano, os alunos realizam um dos maiores festivais de teatro da região bauruense: a Mostra de Teatro Paulo Neves. Matrículas abertas no início do ano.
Endereço: Rua Gerson França, 6-66 – Centro
Telefone: (14) 3243-1150 ou (14) 9 9115-9710

Espaço Protótipo: um lugar de encontros artísticos. Espaço para ensaios, discussões e apresentações. Realiza o Cabaret ScèneSonore uma vez por mês, com apresentações artísticas diversas.
Endereço: Rua Monsenhor Claro, 2-57 – Centro
(014) 99163-1931

Escola Sirius: escola de teatro com enfoque na área musical. Oferece cinco cursos – Teatro, Teatro Musical, Teatro Infantil, Circo e clown, Cinema e TV.
Endereço: Rua São Gonçalo 2-80 – Vila Altinópolis
Telefone: (14) 3202-9500

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Redação

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