A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte

Apesar do crescimento com a preocupação em relação à acessibilidade no Brasil, pessoas com deficiência encontram dificuldades para ter acesso às produções culturais

Por Bianca Arantes e Flávia Nosralla

No dicionário Michaelis, o verbo empoderar tem o mesmo significado de apoderar: meter-se na posse de, senhorear-se; deixar-se possuir. A ação, quando reflexiva, demonstra que o sujeito agora é dono de si mesmo. É ele quem dita o que faz e desfaz sobre si e sobre o que ele representa.

O Brasil tem 45 milhões de pessoas com deficiência, o que significa que quase 25% das pessoas do país têm alguma necessidade especial na hora de consumir cultura. Essa “pequena” parcela do público nacional, entretanto, é largamente excluída dos processos comunicacionais e de outras esferas da vida em sociedade, e muitas vezes não se vê representada ou acolhida nestes processos, o que pode dificultar o seu processo de empoderamento.

A acessibilidade na cultura pode ser vista por dois pontos: pessoas com deficiência como produtoras de conteúdo e como consumidoras do mesmo. Para produzirem, elas precisam estar inseridas num processo de criação cultural e terem acesso às ferramentas e técnicas necessárias. Para consumirem, é preciso que esses bens culturais contenham recursos de acessibilidade, tornando-os produtos e experiências acessíveis a qualquer público.

Neste ano, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que prevê mudanças em diferentes áreas da sociedade, como trabalho, cultura, lazer, educação, saúde, moradia, informação, comunicação, ciência e tecnologia para incluir as pessoas com deficiência e penalizar qualquer tipo de discriminação. A lei entra em vigor no dia 02/01/2016, mas instituições públicas e privadas terão seis meses para adaptação e um prazo máximo que vai de dois a quatro anos, de acordo com as especificações, até que a lei passe a valer. Esse Estatuto da Pessoa com Deficiência é de autoria da deputada federal Mara Gabrilli (PSDB) e do senador Romário Faria (PSB) e tramitava há quinze anos no Congresso.

Deputada Mara Gabrilli e senador Romário Faria pedem a aprovação do estatuto da pessoa com deficiência. Descrição da Imagem: Mara Gabrilli está sentada em sua cadeira de rodas, sorrindo para a câmera, de vestido roxo. À sua esquerda, Romário Faria está em pé de terno cinza.
Foto: Jonas Pereira/Agência Senado (Creative Commons, Wikimedia, foto editada)

A vigência da Lei é um marco na luta pelos direitos das pessoas com deficiência, pois garante, em todos os âmbitos da vida em sociedade, que elas estejam em igualdade de direitos com pessoas sem deficiência. No capítulo IX, Art 43, ela determina que “O poder público deve promover a participação da pessoa com deficiência em atividades artísticas, intelectuais, culturais, esportivas e recreativas, com vistas ao seu protagonismo”.

Ainda que a Lei não esteja em vigor, algumas produtoras e artistas incluem as pessoas com deficiência e as têm como agentes ativos em suas produções culturais. Festivais voltados para a acessibilidade também têm atraído a criação de produtos pelas próprias pessoas com deficiência que, pensando em suas dificuldades, usam a imaginação para adaptar ou criar peças, filmes, apresentações de dança, mostras de arte e outros produtos voltados para a inclusão de todos os públicos.

A voz é sua
Os recursos acessíveis garantem às pessoas com deficiência o acesso e a usufruir de bens culturais, o que aumenta o repertório informativo e intelectual delas, empoderando-as em diversos sentidos: na luta política por direitos, na autonomia, na vida social e na questão da representatividade. Esse empoderamento é maior ainda quando elas atuam como agentes ativos e protagonistas de suas próprias produções culturais.

Jornalista formado pela Pontífice Universidade Católica (PUC-RJ) e com pós-graduação em cinema, Daniel Gonçalves, de 31 anos, produziu o curta-metragem “Como Seria?”, que tem mais de 30 mil visualizações no YouTube, no qual tenta imaginar como seria sua vida sem deficiência. O intuito agora é produzir um longa-metragem. Ele tem paralisia cerebral discinética, que afeta sua coordenação motora, mas que não é uma dificuldade para a sua produção cultural: “A produção do curta não me deu trabalho nenhum, nem desafio nenhum, no sentido de ter sido difícil de realizar, porque ele surgiu de um concurso de vídeos inspiradores da internet”. Daniel achou que um texto que ele havia escrito em seu blog Tem bala aí? se relacionava à proposta e conta que a produção “foi, basicamente, adaptar o texto do blog para um texto que é a narração base do filme (…), reunir um pouco de material de arquivo, que eu já tinha gravado ao longo dos anos, e gravar a minha narração em fundo preto”.

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Curta “Como Seria?” produzido por Daniel Gonçalves

Para a produção do seu primeiro longa metragem, que será um documentário em primeira pessoa retratando a busca pelo diagnóstico do que causou a deficiência, passando por temas como infância, reabilitação, família, amigos, escalada, paixões, cinema e Rio de Janeiro, ele acredita que a maior dificuldade será conseguir financiamento, “eu acho que é o problema de todo mundo que produz filme aqui no Brasil”. Através de uma campanha de crowndfunding (financiamento coletivo) na internet, Daniel tentava arrecadar R$ 40.000,00. Com a colaboração de 369 pessoas, ele atingiu a marca de R$ 52.050,00, montante equivalente a 130% da meta original. Agora, o documentarista está em busca do dinheiro restante por meio de patrocínios. “Sinceramente, não sei se isso é mais difícil pra mim, por eu ter a paralisia ou não. Acho que dá no mesmo. Principalmente agora, que as pessoas me conhecem”, complementa Daniel.

A expectativa do jornalista é que, caso todo ou grande parte do orçamento seja captado ainda este ano, o filme seja finalizado até o final de 2016. O intuito é fazer o lançamento do longa no Festival É Tudo Verdade, de 2017. O evento nacional reúne documentários e é um dos mais importantes do mundo, segundo Daniel.

Já o artista plástico, dançarino, ator e palhaço Lucio Piantino, de 20 anos, tem síndrome de Down e foi convidado, em 2013, para expor suas telas na Galleria Nazionale Dell”Umbria, no Pallazzo de Priori em Perugia, na Itália. No ano seguinte, de acordo com o site Inclusive, que busca difundir informação para promover a inclusão das pessoas com deficiência, ele levou dez telas para a exposição europeia e promoveu um workshop de pintura para vinte pessoas com deficiência. Segundo o jornal Correio Braziliense, Lucio produziu sua primeira exposição individual aos treze anos. Os quadros do rapaz também estiveram no palco do programa Domingão do Faustão, em março de 2014, transmitido pela Rede Globo aos domingos. Mesmo antes de participar do projeto Polimatérico, realizado pela Assoziacione Culturalle Cittá del Sole, a história do rapaz tinha se tornado documentário nas mãos de Rodrigo Paglieri. Você pode assistir ao “De arteiro a artista: a saga de um menino com síndrome de Down” clicando aqui.

Para o atleta havaiano de Crossfit Luke Ericson, o documentário que ele está fazendo será uma forma de inspirar outras pessoas com deficiência, segundo os jornais britânicos The Huffington Post e Daily Mail. Ele nasceu sem o braço esquerdo e sem metade do pulmão do mesmo lado, o que o levou a ter escoliose, curvatura da coluna vertebral. O diagnóstico de diabetes tipo 1 também não o impediu de continuar em busca de uma vida saudável. Luke participou de competições como a Working Wounded Games, competição de ginástica funcional para paratletas na cidade de Vienna, Virgínia (EUA), e a Wodapalooza Fitness Festival, festival e competição que testa as habilidades físicas e mentais dos participantes ao longo de um final de semana – uma das categorias é para paratletas, que conta com vinte participantes considerados atletas de elite. As fotos e vídeos de Luke Ericson foram curtidas e compartilhadas mais de 300 mil vezes nas redes sociais. No começo do ano, o atleta conseguiu arrecadar U$ 2.500,00 por crowndfunding, o equivalente, na taxa de câmbio atual, a cerca de R$ 10.000,00, para comprar material de filmagem e financiar seu documentário com a ajuda de um amigo.

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Vídeo “One Arm Playground Workout”, no qual Luke Ericson aparece fazendo exercícios em uma praça.

Atingir essa autonomia e empoderamento, no entanto, é difícil para qualquer pessoa. O documentarista Daniel Gonçalves acha que “a dificuldade maior em relação à pessoa com deficiência é, num primeiro momento, mostrar que ela é capaz de fazer aquilo apesar da deficiência”. Há uma estereotipação da deficiência, na qual essas pessoas, muitas vezes, são associadas a sentimentos de pena e incapacidade. Para Daniel, como pessoas com paralisia cerebral podem ter comprometimentos motores muito altos e não terem a parte cognitiva afetada, “a reação inicial das pessoas é associar a maneira de eu andar diferente, por exemplo, com alguma questão cognitiva, o que é uma mentira”. Quebradas as barreiras de mostrar a própria capacidade, as pessoas com deficiência enfrentarão as mesmas dificuldades de quem quer produzir qualquer produto cultural no Brasil.

E para ler, ver, ouvir, tocar e sentir tudo isso?

Cultura acessível
Existem diversos recursos que promovem a acessibilidade. Eles buscam, através da informação com redundância – a mesma informação transmitida de diferentes formas -, transpor as barreiras que a falta de acessibilidade impõe às deficiências. Para a pessoa cega, todos os dados visuais precisam vir acompanhados de um equivalente sonoro; ao mesmo passo que, para a pessoa surda, as informações sonoras devem vir acompanhadas de um equivalente visual. Cadeirantes e pessoas com baixa mobilidade precisam de rampas de fácil acesso e espaço mínimo para se locomoverem, assim como o piso tátil auxilia o uso da bengala para pessoas com deficiência visual.

Alguns dos recursos que permitem a acessibilidade em produções (Arte: Flávia Nosralla/Jornalismo Especializado Unesp)
Descrição da imagem: Infográfico traz as definições de alguns recursos de acessibilidade. Audiodescrição: faixa narrativa de áudio adicional que contenha a descrição clara das informações visuais de filmes, programas de TV, danças, óperas, desfiles de carnaval. Braille: o sistema de escrita com pontos em relevo para ser lido através do tato. Criado por Louis Braille em 1829. Piso tátil: faixas em alto-relevo fixadas no chão para fornecer auxílio na locomoção pessoal de pessoas com deficiência visual. Legendagem: descrição escrita das informações sonoras. Em Closed Caption, pode ser ativada e desativada. Língua Brasileira de Sinais (Libras) definida como a língua de sinais utilizada como meio de comunicação e expressão de surdos no Brasil. É reconhecida pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2004. Rampas: rampas com inclinação de 8% para cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida.
Arte: Flávia Nosralla.

A jornalista pela PUC Rio e aluna da pós-graduação em Acessibilidade Cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mauana Simas, é uma das sócias da produtora Nós Todos Filmes, “Produzindo Inclusão”. Ela lembra que o primeiro estágio fora da faculdade foi no “Programa Especial”, do canal TV Brasil, uma produção independente feita por e para pessoas com deficiência. “O programa foi uma das primeiras iniciativas de informação acessível na televisão brasileira. Me apaixonei pelos recursos e pelo universo da acessibilidade”, conta Mauana. No final da graduação, o trabalho de conclusão de curso da futura jornalista foi um documentário sobre acessibilidade audiovisual para surdos, o que “mostrou [a ela] o quanto a área poderia ser um campo de atuação”.

Após adquirir experiência profissional, Mauana começou a rascunhar a Nós Todos e se inscreveu no programa Shell Iniciativa Jovem, no qual foi premiada em 2013.

A Nós Todos Filmes produz vídeos inclusivos, que contam histórias de pessoas com deficiência, e trabalha com a inserção de recursos acessíveis – audiodescrição, legenda descritiva e interpretação para Libras – em materiais audiovisuais. A produtora conta com pessoas com deficiência dentro de sua equipe, trabalhando junto nos materiais produzidos e adaptados. Mauana comenta que, sem o aval de um consultor de audiodescrição, “não é possível entregar um serviço de qualidade”. A jornalista explica: “Eu tenho referências de uma pessoa que enxerga e, por mais que estude audiodescrição e outros recursos, continuarei tendo uma percepção extremamente visual do universo”.

No caso da Nós Todos, a consultora de audiodescrição é a jornalista, atriz e bailarina Moira Braga. Ela descobriu, por volta dos sete anos de idade, que tem a doença de Stargardt, que provoca degeneração da retina, e, hoje, é cega, tendo algum resíduo visual, no qual consegue perceber diferença de luminosidade de um ambiente claro para um escuro, por exemplo. A importância do trabalho de Moira é que a audiodescrição tem uma função: transmitir por meio da voz as informações visuais, e “ninguém melhor que esse público, a pessoa com deficiência visual, para dizer se esse trabalho de acessibilidade está funcionando ou não, se está realmente chegando aonde precisa”, complementa a artista.

Essa função, entretanto, não é apenas uma prestação de serviços. “Quando a gente faz um trabalho de acessibilidade para um produtor artístico, ela tem que dialogar com a linguagem desse conteúdo (…). Você não pode descrever uma forma de arte da mesma maneira que você descreve um manual de instruções”, explica Moira. Ela diz que seu trabalho como consultora surgiu por estar dos dois lados, produzindo e consumindo iniciativas culturais: “Como sou artista, eu sou criadora, eu penso em como transmitir o trabalho que eu faço como atriz e bailarina para as pessoas que não enxergam, como eu”, diz ela, que ressalta: “Não basta ser deficiente para ser consultor. A pessoa deficiente que se presta a esse trabalho tem que ter o mínimo de conhecimento na área artística que você está tratando”.

A consultoria prestada por ela varia de acordo com quem ela está trabalhando. Moradora do Rio de Janeiro, Moira está na mesma cidade que a Nós Todos Filmes, e ambas, ela e Mauana Simas, constroem juntas, fazendo e discutindo, o roteiro de audiodescrição. Já a OVNI, produtora de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, prepara e envia os roteiros e filmes para Moira, de modo que ela possa fazer sugestões e modificações.

Mauana Simas finaliza: “Sem o trabalho da Moira, por exemplo, é como se nós construíssemos uma cadeira e não colocássemos ninguém para sentar e testar”.

“Money que é good nóis num have”
Cidades metropolitanas possuem maior variedade em relação a iniciativas culturais e acessíveis, o que pode se explicar pelo grande número de pessoas com deficiência nos grandes centros (a capital paulista tem 50 mil) e pela efervescência cultural característica dessas cidades. O Instituto Mara Gabrilli elaborou a segunda edição do Guia de Acessibilidade Cultural da cidade de São Paulo, que você pode acessar clicando aqui. É possível realizar uma busca direta sobre o local que se deseja e/ou utilizar dois filtros que selecionam por categoria – teatros, museus, cinemas, centros culturais, casa de espetáculos e bibliotecas – e/ou por região – norte, sul, leste, oeste e central. O site permite que sejam encontradas diversas iniciativas culturais e informa quais recursos de acessibilidade (auditiva, física, visual e intelectual) estão disponíveis em cada estabelecimento, uma pequena descrição da instituição, junto com endereço, telefone, e-mail, site e horário de funcionamento. O Guia recomenda que o público telefone antes de ir ao local, pois as informações do site foram fornecidas pelos próprios equipamentos culturais.

Guia de Acessibilidade Cultural permite encontrar instituições acessíveis. Descrição da Imagem: captura de tela do site Guia de Acessibilidade Cultural/SP. (Foto: Reprodução)

Além de iniciativas permanentes, o Dia Nacional de Luta pelos Direitos das Pessoas com Deficiência (21/09) e o Dia Nacional do Surdo (26/09) inspiraram o jornal Folha de S. Paulo a lançar um roteiro com eventos que reúnem recursos de acessibilidade. Dentre as 22 atividades listadas, está o Assim Vivemos, Festival Internacional de Filmes sobre Deficiência. Em sua sétima edição este ano, o evento traz filmes de vinte países e sete produções brasileiras, todos contendo pessoas com deficiência como protagonistas. O festival é acessível a todos os públicos, pois conta com audiodescrição e legendagem closed caption durante as sessões, catálogos em Braille, intérpretes de Libras durante os debates e acesso facilitado para pessoas com mobilidade reduzida ou cadeirantes. O evento é bienal e acontece desde 2003. A cidade de São Paulo é palco do festival do dia 23 de setembro até 4 de outubro. Os filmes passaram pelo Rio de Janeiro em agosto e estarão presentes em Brasília no começo de março de 2016.

Para cidades de pequeno e médio porte, a realidade é diferente. Na cidade de Bauru, localizada no interior paulista (distante 283 quilômetros da capital), a agente cultural Susana Godoy é diretora da divisão de Ação Cultural da Secretaria Municipal de Cultura e diz que “essa questão da acessibilidade ainda é muito recente, especialmente aqui na nossa cidade. A gente tem visto iniciativas muito boas na capital, tanto de iniciativa privada quanto na área governamental, mas pra gente é muito recente”.

O Símbolo Internacional de Acesso caracteriza acessibilidade em locais e serviços.
Descrição da Imagem: Infográfico com o título “Símbolo Internacional de Acesso”, no lado esquerdo do box, está o Símbolo, que representa uma pessoa sentada em uma cadeira de rodas, o fundo é azul e o símbolo é branco. No lado direito da imagem, há o seguinte texto “Determinado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, na NBR 9050, o Símbolo Internacional de Acesso indica que espaços, equipamentos, edificações, mobiliário e serviços urbanos são acessíveis a pessoas com deficiência (visual, auditiva e física) ou com mobilidade reduzida, como idosos, gestantes e obesos, por exemplo”. Dados: site Acessibilidade na Prática / Arte: Flávia Nosralla

O principal evento sobre acessibilidade em Bauru é a Mostra Arte Sem Barreiras, realizado há mais de vinte anos e de importância reconhecida na cidade: “Faz parte do calendário oficial de eventos do município”, complementa Susana. Este ano, a mostra começa dia dois de outubro, com uma balada inclusiva feita por um DJ cego, Anderson da Mata. Ele faz parte de uma associação de DJs da cidade de São Paulo e fez um curso de DJs com deficiência. O Programa de Ação Cultural (ProAC) é um projeto de incentivo à cultura do governo do Estado que levará, para o Arte Sem Bairreiras, dois espetáculos com palhaços, um com intérprete de Libras e outro com intérprete e audiodescrição.

A Mostra convida todas as entidades que atendem pessoas com deficiência de Bauru e região, sendo que as instituições se apresentam no evento, com peças de teatro e dança. Também há palestras – este ano, uma será sobre autismo e a outra sobre neurociência e educação.

Entretanto, Susana comenta que “essa atividade [Arte Sem Barreiras] com acessibilidade ao público com deficiência, especialmente ao público surdo e cego, sempre foi mais restrita”. Quando o evento é acessível, é porque chega até a cidade com estrutura pronta. “Fora do Arte Sem Barreiras, infelizmente, a gente não tem tido essas iniciativas. São iniciativas que a gente tem que propor, porque tem custos”. Ela explica que, no caso da audiodescrição, o custo é maior porque é necessária a estrutura do equipamento e da cabine. “No caso do intérprete de Libras, é somente você ter condições de pagar por esse profissional. (…) Nada que a gente não possa estar brigando e ampliando essa possibilidade de acesso”.

Ao longo do ano, houve outros momentos em que iniciativas pontuais acessíveis aconteceram na cidade. Em junho, a cidade recebeu a Ópera Curta Acessível. “Na verdade, já é uma forma de acessibilidade, porque está transformando esta linguagem artística diferenciada em uma forma mais acessível ao público em geral”, explica Susana. Ela conta que a equipe de produção da ópera já a trouxe acessível: “eles montaram a cabine, ofereceram 80 fones. A gente fez o contato com as instituições e divulgamos em geral, porque não necessariamente o cego está ligado a uma entidade”. Além da audiodescrição, havia um intérprete de Libras no local. Após conversar com alunos do Lar Escola Santa Luzia para Cegos, de Bauru, presentes no evento, Susana conta que “foi fascinante, porque ouvir eles dizendo ‘a gente pode acompanhar perfeitamente o espetáculo’ não tem preço”.

Artista se apresentando na Mostra Arte Sem Barreiras, em Bauru.
Descrição da Imagem: Mulher está no meio do palco, com saia e blusa douradas. Ela está com os braços levantados, puxando duas grandes asas amarelas.
Foto: Cris Jardim / Culture Bauru (Reprodução)

Em alguns casos, ainda que a iniciativa cultural tenha acessibilidade em sua primeira concepcção, nem sempre é assim que ela chega até as cidades menores. “Nós tivemos, este ano, uma peça de teatro do Antônio Fagundes: em São Paulo, ela teve audiodescrição e Libras. Para cá, não veio com audiodescrição por conta de custos mesmo, pois teria que ter um patrocinador e, realmente, isso é limitador nesse caso”.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência determina que cultura, esporte, turismo e lazer são direitos, garantindo o acesso, à pessoa com deficiência, a todos esses bens em maneira igualitária com as demais pessoas por meio do acesso a “bens culturais em formato acessível, a programas de televisão, cinema, teatro e outras atividades culturais e desportivas em formato acessível e a monumentos e locais de importância cultural e a espaços que ofereçam serviços ou eventos culturais e esportivos”.

A lei determina que o poder público deve promover a participação da pessoa com deficiência em atividades culturais com vistas ao seu protagonismo, visto que são poucas as produções em que essas pessoas são agentes ativos e não apenas meros espectadores.

Entretanto, a atual configuração da sociedade cultural está distante de uma realidade inclusiva, em que todos os pressupostos da lei sejam cumpridos no prazo determinado. Quando questionada se o país está preparado para essa expansão de acessibilidade, Susana diz que “Não, não está nem em termos de profissionais suficientes. Vai ter que contar primeiro com a formação desses profissionais e também tem que se estabelecer, quando fizer o orçamento para um evento, saber que tem sim que garantir esse acesso, porque ele tem custos”. Como ela explicou na estrutura da audiodescrição, “se você tinha uma verba X para realizar o evento, você vai ter que ter X mais alguma coisa para que esse evento possa ser para todos”, finaliza.