Medida que dá direito a travestis e transgêneros a colocarem no título de eleitor o nome pelo qual querem ser chamados dividiu opiniões
Por Gabriel Oliveira
Na última quarta-feira (9), encerrou-se o prazo, em todo o Brasil, para o registro do nome social no título de eleitor – visando as eleições de novembro de 2018 para presidente, deputados federais e estaduais, e senadores.
Aprovado em 22 de março deste ano e regulamentado na Portaria Conjunta TSE nº 1, de 17 de abril de 2018, do Diário de Justiça Eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral, o nome social deu a possibilidade a travestis e transgêneros a colocarem no espaço de nome do título de eleitor a designação pela qual a pessoa se identifica, exceto apelidos.
O texto ainda define algumas outras regras para o nome social como “o nome civil da pessoa que declarou seu nome social deverá constar do e-Título em página adicional, de modo a evitar constrangimentos eventualmente decorrentes da exibição do documento para outras finalidades que não exijam a apresentação do nome civil”. Além disso, “o eleitor poderá assinar seu nome social, devendo apor, no Requerimento de Alistamento Eleitoral, a mesma assinatura de seu documento de identidade oficial”*.
Os procedimentos podem ser feitos no cartório ou posto de atendimento que atenda à zona eleitoral do interessado, bastando apresentar um documento de identificação com foto. O novo título de eleitor, com o mesmo número de inscrição, será impresso e entregue ao cidadão no ato da solicitação.
A iniciativa foi amplamente divulgada nas principais redes sociais, como o Facebook e o Twitter, tendo repercussão bastante diversificada. Para transgêneros e travestis, a medida foi um avanço na política de inclusão; enquanto para a classe mais conservadora, o nome social foi algo irrelevante para o sistema político brasileiro.
*Dados retirados do texto da portaria
REPRESENTATIVIDADE
Segundo levantamento da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), da Redetrans (Rede Nacional de Pessoas Trans) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), nas eleições municipais de 2016, dos 496.896 candidatos, apenas 85 eram travestis ou transexuais. Isso escancarou a falta de representatividade dos transgêneros no processo eleitoral e fez com que o TSE colocasse em votação a pauta do nome social, sendo a sessão de votação presidida pelo ministro Luiz Fux.
A pauta foi aprovada em 22 de março, publicada no dia 2 de abril no Diário do TSE e regulamentada no dia 19 de abril. A medida foi comemorada por Luiz Fux em coletiva de imprensa realizada no dia 2 de abril. Ele também citou as recentes aprovações do STF (Supremo Tribunal Federal) como a alteração de nomes de transexuais e transgêneros no registro civil sem a realização de cirurgia ,de mudança de sexo: “O Supremo Tribunal Federal vem decidindo uma série de questões referentes a minorias sempre levando em consideração a questão da igualdade e da não discriminação, conforme previsto no artigo 5º da Constituição.”
A decisão também foi comemorada por transexuais. Maras (apelido pelo qual se identifica), 18, acredita que o nome social seja um passo concreto a favor da inclusão. “Isso valida a nossa existência na sociedade. Ao sermos referidos legalmente pelo nome com o qual nos identificamos, estamos sendo validados como indivíduo perante ao governo”, afirma.
A trangênero também aponta os benefícios da aprovação da pauta por trazer “menos desconforto para as pessoas trans que muitas vezes se sentem inibidas publicamente pelo medo de serem chamadas pelo seu nome de nascimento. E com uma unificação dos documentos sob o mesmo nome, tudo se torna mais simples também.”
Maras vê isso como um avanço dentro do atual cenário político brasileiro: “O cenário político brasileiro atual é um tanto lamentável, rodeado de políticos conservadores e medidas que minam os diretos de minorias, principalmente LGBTQ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais/Travestis/Transgêneros e “queer”). Ver algo assim ser oficializado é uma luz no fim do túnel e uma esperança para um futuro melhor.”
A classe política também se remexeu com a aprovação do nome social. Vários políticos se manifestaram a favor da aprovação da pauta.
Waldez Góes (PDT), governador do estado do Amapá, foi um dos que comemorou nas redes sociais, inclusive postando uma foto com transexuais que fizeram a alteração para o nome social: “Hoje entregamos as primeiras carteiras de identidade com nome social. Uma conquista do nosso governo que representa a garantia de direitos e respeito aos LGBT.”
Para o pré-candidato a Deputado Estadual por São Paulo, Lucas Bacchiega (PV), o nome social é algo inédito e uma descolamento da interpretação biológica: “Trata-se de um avanço inédito e uma mudança de interpretação do TSE em relação ao gênero, descolando-se da interpretação biológica do sexo para uma interpretação social e de afirmação. Em tempos que a política pede profundas mudanças, não só de quadros, valores e ideais, nada mais justo com a história do que esta decisão do TSE.”
Lucas também considera que a aprovação fortalece a democracia: “É o avanço na democracia brasileira. Você avança garantindo diretos a uma parcela da sociedade que antes não se encaixava, ou seja, a democracia avança por garantir o direito dessa parcela de integrar quotas eleitorais a partir deste ano.”
AS VOZES CONTRA A PROPOSTA
Assim como grande parte das pautas relacionadas a inclusão de minorias por questão de gênero no Brasil, o nome social também teve vozes contra a proposta. Para Denis Battagli, 24, o nome social não era para ser uma prioridade do TSE: “Há coisas muito mais importantes que o nome social, como por exemplo tornar o processo eleitoral mais transparente. O voto impresso tem sido pedido intensamente e até agora, não vimos nenhuma ação concreta. Para mim, desnecessário [a aprovação do nome social]. O foco deveria ter ser outro.”
Denis, que também se diz abertamente eleitor do candidato Jair Bolsonaro, reafirma que a atitude do TSE vem ao encontro com a política brasileira: “Nós temos uma política de coisas inúteis. Deveríamos pensar em segurança, em transparência, em como combater a corrupção. Para mim, isso é só mais uma das políticas que vem para favorecer os esquerdistas que governaram o país nos últimos anos. Sou contra essa ideologia de gênero que tem sido colocada nas nossas eleições.”
Opiniões semelhantes a de Denis foram visivelmente compartilhadas nas várias postagens feitas pelo perfil do TSE nas redes sociais. Em seus conteúdos, palavras como “vergonha” e a expressão “ideologia de gênero” foram frequentemente citadas para atacar o nome social.