Após 5 meses, política externa do governo Bolsonaro não disse a que veio

Dentre viagens e polêmicas, nenhuma das ações do presidente causou impacto direto no país

Por: Gustavo Lustosa, Sérgio Pantolfi e Rhaida Bavia

No primeiro dia do ano de 2019, Jair Bolsonaro deu início ao primeiro governo fora da polarização PT/PSDB em mais de 25 anos. Após ter conquistado 57,7 milhões de eleitores, contemplando cerca de 55% dos votos válidos, ele venceu o candidato Fernando Haddad do PT, que obteve 47 milhões e se consagrou como presidente da República Federativa do Brasil.

Em uma campanha marcada por polêmicas envolvendo fake news, protestos e até um atentado contra Jair, um aspecto que sempre ficou marcante nas falas de Bolsonaro foi sua posição anti América Latina e pró Estados Unidos. Sempre buscou assimilar tanto suas ideias quanto imagem ao presidente dos EUA Donald Trump.

Não apenas pelo viés ideológico mais voltado à direita e suas posições anti establishment mas também na forma popular de se comunicar com o público através do Twitter e se posicionar de forma polêmica à diversos assuntos.

Além da admiração aos norte-americanos e a postura “anticomunista”, Bolsonaro sempre se mostrou simpatizante ao governo de Israel. Antes mesmo da posse, no final de 2018 havia prometido uma mudança da embaixada Brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. Dessa forma, tomando partido na questão política que poucos governos se atreveram a tomar.

Até agora, o presidente e sua comitiva participaram de 6 viagens internacionais. Porém, somente em maio que ele fez uma visita ao nordeste do país. Tendo visitado Suiça, Chile, Israel e EUA (2 vezes) antes disso.

O Ministro das relações exteriores

A relação brasileira com outros países passa, obrigatoriamente, pelo ministro das relações exteriores. Apesar do enxugamento de diversos ministérios, este foi um que ainda sobreviveu. A escolha para comandar o cargo foi de Ernesto Araújo.

Ernesto Araújo é diplomata do Itamaraty desde 1991. Sua relação com bolsonaro é estreita por ambos compartilharem visões patrióticas, anti-esquerda e contra o “marxismo cultural”. Ernesto escreve para um blog chamado metapolíticabrasil.

Nesse site, costuma escrever artigos de opinião que possuem discursos anti globalistas e contra o PT. Já chegou a afirmar em um dos seus textos que: 

“Globalismo é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural. Essencialmente é um sistema anti-humano e anti-cristão. A fé em Cristo significa, hoje, lutar contra o globalismo, cujo objetivo último é romper a conexão entre Deus e o homem, tornado o homem escravo e Deus irrelevante. O projeto metapolítico significa, essencialmente, abrir-se para a presença de Deus na política e na história”.”

Indo contra uma onda de “ministros pop”, Ernesto não possui uma atuação midiática  grande. Nos momentos de crise na Venezuela envolvendo o presidente Maduro e o opositor Guaidó, foi o vice-presidente Mourão que tomou partido e se articulou na situação. 

O economista Guilherme Torga acredita que o ministro está na “geladeira” principalmente devido a lobbies que empresas, principalmente as do agronegócio fazem. “Uma ação ideológica drástica que ele toma pode prejudicar e muito as exportações do Brasil”, ele afirma.

Apesar disso. Seu viés ideológico pode dizer muito a respeito da política externa do governo Bolsonaro. Ideológica, polêmica e em muitos momentos maniqueísta.

As Visitas internacionais de Bolsonaro

A primeira foi janeiro, quando Bolsonaro e alguns ministros foram até Davos na Suiça, para o Fórum Econômico Mundial. Em seu primeiro discurso internacional, que durou cerca de 5 minutos, o presidente falou sobre a construção de um novo país, convidou o mundo para visitar nossas terras e colocou fé nas reformas propostas pelo ministro Paulo Guedes.

Durante a visita porém, não compareceu a coletiva de imprensa e posteriormente participou de reuniões com o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, e com o primeiro-ministro japonês, Shinzō Abe.

A segunda viagem ocorreu em março. Bolsonaro foi até Washington conversar com o presidente Donald Trump, uma das inspirações do próprio. As pautas incluíram a questão da Venezuela, um possível apoio dos EUA a candidatura brasileira na OCDE e além de acordos comerciais e políticos que beneficiem o Brasil. 

Porém, enquanto do lado americano ficaram promessas, do lado brasileiro algumas ações foram tomadas. No dia 18 de março Bolsonaro liberou a necessidade de visto para visitantes norte-americanos. Porém o acordo é unilateral, não vale para Brasileiros que irão aos EUA. 

Sua viagem aos Estados Unidos foi emendada com uma visita ao Chile, onde se reuniu com o presidente Sebastián Piñera para tratar de acordos comerciais.

A questão árabe 

O destino seguinte foi Israel. Antes mesmo de tomar posse, Jair Bolsonaro havia expressado sua vontade de transferir a embaixada Brasileira de Tel Aviv, para Jerusalém. A questão gerou polêmica. 

Tomar posição num conflito histórico em que o Brasil nunca possui um lado não é estratégico. Tendo ainda em vista que o Mundo Árabe, incluindo tanto os países mais pobres como Egito, Irã, quanto os mais ricos como Arábia Saudita são os maiores importadores da carne brasileira. 

Segundo estatísticas da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC), estão no top 10 dos países que mais compram carne brasileira Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes e Irã.  Além disso, o Brasil é o maior exportador de carne Halal do mundo.

O economista Guilherme Torga explica que qualquer relação bilateral com algum país é produtiva, desde que não prejudique outras. “Se você analisar o potencial exportador de Israel comparando com países Árabes, ele é minúsculo. Relações com quaisquer países são boas para o Brasil, como no caso da busca da tecnologia de dessalinização israelense, mas desde que isso não atrapalhe nossa relação com o Mundo Árabe”.

Guilherme ainda afirma que na briga Israel x Palestina, que é algo de décadas, não é papel do Brasil interferir ou tomar partido, seja de qualquer forma. Após pressão de entidades e autoridades palestinas e de outros países do Oriente Médio, Bolsonaro recuou da proposta original e apenas criou um escritório comercial em Jerusalém.

O risco anti-China

Segundo dados do Observatório de Complexidade Econômica (OEC), a China é o maior parceiro econômico do Brasil, contemplando cerca de 22% das exportações e 15% de todas as importações nacionais. 

Nosso país recebe cerca de US$ 48 bi por ano. Os três produtos mais exportados são: soja (42% do total), barras de ferro (22% do total) e petróleo (15% do total).

Antes mesmo de assumir a presidência, Bolsonaro havia se posicionado de forma polêmica contra o país. O que também causou um estremecimento das relações. Dessa forma, seguindo o que Donald Trump tem feito, porém o Brasil não possui poder econômico e político para bater de frente com os chineses como os norte americanos.

Para Guilherme Torga, essa “preferência” por negócios com os EUA não possui nenhum fundamento a não ser ideológico, ele afirma que  “Os Estados Unidos são um país que não tem muito o que importar de nós, os dados da OEC confirmam isso. Nossas importações para lá são de produtos que eles mesmo produzem e também exportam para a China. Nessa briga do Trump com a China deveríamos ficar neutros”.

Além da China, o Brasil tem deixado de lado parceiros comerciais do MercoSul, que são grandes importadores da nossa indústria. “ exportamos muitos carros para todos os países vizinhos, que são produtos de maior valor agregado. mas não é por isso que devemos abrir mão deles para exportar só commodities. Precisamos ficar neutros e na medida do possível vá de acordo com nossos interesses. Os EUA só fazem o que vale a pena para eles, esse papo de “ideologia americana” é bobagem, porque a ideologia deles é o que beneficia só eles.”

O plano único da economia brasileira

Se por um lado o governo possui práticas controversas em ocasiões fora do Brasil, aqui dentro parece que todas as forças do governo para recuperar a economia se voltam para uma agenda: a da reforma da previdência.

A proposta do ministro Paulo Guedes promete economizar até R$ 1 trilhão em 10 anos se aprovada, e depende da aprovação do congresso e posteriormente do senado para entrar em vigor. 

O economista Guilherme Torga acredita que apesar da reforma da previdência ser uma prioridade do governo, ela pode ser feita em paralelo com as relações comerciais com outros países. “tanto a previdência quanto a reforma tributária são pautas emergenciais, sem elas, qualquer outra política econômica não funciona pois a inflação irá crescer muito e o país quebra. Mas não é por isso que você tem que deixar todas as outras questões sem a devida importância”, ele afirma.

Para aprender sobre a reforma da previdência, acesse a reportagem de Sergio Pantolfi “As mil faces da reforma da previdência“