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Biodiversidade em chamas: o problema das queimadas em solo tupiniquim

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A prática histórica e proibida que causa danos à saúde e ao meio de ambiente ainda é recorrente no Brasil

Por Caio Boscariol, Gabriel Fioravanti, Gabriel Pitor e Guilherme Mantovani
 

O aumento no índice de queimadas provocadas pela ação humana traz malefícios significativos para a fauna e a flora local, provocando danos irreversíveis na natureza ao contribuir para o desequilíbrio ambiental na região. Os danos à biodiversidade são ainda mais alarmantes em cidades praticamente estéreis em área verde devido à intensa urbanização, como é o caso de Bauru.

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Sibele Germano: otorrinolaringologista atenta para os efeitos das queimadas

Contudo, o prejuízo dos incêndios em terrenos baldios e estradas não se limita às plantas e aos animais silvestres das proximidades, mas se torna um risco direto para as pessoas também. Segundo a otorrinolaringologista Sibele Germano, “a inalação de grande quantidade de fumaça pode causar sérios danos imediatos e até letais ao aparelho respiratório”. A doutora ainda explicita a gravidade do avanço destas fumaças densas em direção aos lotes urbanos: “Às vezes o efeito não é imediato, mas após alguns dias as pessoas podem começar a desenvolver sintomas de doenças respiratórias, podendo iniciar com falta de ar, febre, enjôo e evoluir para uma pneumonia química, que pode deixar sequelas permanentes”.

A gravidade da situação se deve à forma como o gás carbônico em excesso age no nosso corpo: “Quando as partículas deletérias levadas pela fumaça se depositam nas cavidades nasais, podem levar a um quadro de sinusite. No entanto, podem também atingir nossa árvore respiratória, obstruindo-a e ocasionando um broncoespasmo – falta de ar –, uma traqueobronquite química ou, em casos mais agravantes, um edema pulmonar”, explica Sibele.

A otorrinolaringologista também alerta para as principais precauções a serem tomadas em caso de exposição constante a uma quantidade expressiva de fumaça, especialmente no caso de ambientes mais fechados: “Procurar ficar calmo é muito importante. Outras medidas incluem se abaixar o máximo que puder, ou até mesmo rastejar pelo chão se o espaço for diminuto, pois a fumaça tende a subir. Além disso, é recomendável o uso de panos molhados no rosto e, após sair de um local fortemente esfumaçado, deve-se usar máscaras de oxigênio e seguir com acompanhamento médico”.

A lei brasileira diz que as queimadas são práticas proibidas. O artigo 250 do Código Penal estabelece que “causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou patrimônio de alguém” pode resultar em “pena – reclusão, de três a seis anos e multa”. No ano de 2018 a quantidade de queimadas no Estado de São Paulo cresceu em 76%. Essa cultura está impregnada no Brasil. “Acredito que isso perdure por que o acesso à informação, principalmente a assistência técnica rural (nos casos das queimadas destinadas à prática agropecuária), ainda é escasso e limitado”, sugere Antônio Carlos de Oliveira, geógrafo e agricultor.

De acordo com Antônio, o processo na agricultura para preparar o solo se dava da seguinte maneira: “Antigamente, antes das máquinas agrícolas e herbicidas, as queimadas eram utilizadas para “limpar” as áreas onde se iniciaria uma nova cultura agropecuária. Primeiro cortava-se as árvores e depois tudo era incendiado para facilitar a introdução de plantas de interesse econômico, como por exemplo o café, a cana-de-açúcar, etc. Também, mesmo depois de retirada toda a cobertura vegetal, ou seja, a floresta, entre uma safra e outra, incendiavam a área com o intuito de acabar com as ervas daninhas, “o mato”, para um novo plantio, uma nova safra. Era muito mais prático, rápido, meter fogo do que capinar”, declara o agricultor.

“Depois de incendiar uma área, é muito comum o surgimento de brotos de verdes, o capim cresce vigoroso. Dessa forma, cria-se a ideia falsa de que o fogo renova os nutrientes do solo, como um ‘reset’. Mas isso acontece, principalmente, por que as queimadas ocorrem no período seco do ano, e em seguida entram as chuvas. Toda semente que estava em estágio de dormência por não receber sol e água, por exemplo, acaba acordando. Assim, tudo se mostra vigoroso, verde, mas se essa mesma área não tivesse sido queimada, certamente tudo que brotasse nela seria ainda mais vigoroso e saudável”.

Apesar de na superfície parecer uma prática benéfica para o plantio, esse tipo de ação na verdade prejudica o estado natural do solo, e é uma maneira arcaica de se preparar a camada onde será realizado o novo plantio. “Os incêndios não são bons em nada. Eles acabam com a vida microbiana do solo”, ressalta Antônio: “É sabido por todos os estudiosos do solo que o fogo é prejudicial à camada mais fértil do solo, a superior. O principal objetivo das queimadas era retirar toda a vegetação para facilitar o processo de plantio de culturas comerciais. Com o maquinário agrícola e os herbicidas, essa prática perde o sentido. O maquinário revira o solo através dos processos de aração, gradagem, subsolagem, etc, e os herbicidas matam as “ervas daninhas”.

O geógrafo reforça que “se o acesso à assistência técnica rural, aos maquinários agrícolas, à informação em geral fossem mais democráticas, certamente haveria muito menos queimadas em áreas agrícolas. Mesmo grandes latifundiários, que certamente não sofrem com a escassez desses recursos, também praticam incêndios. Nesses casos, além de economizarem a fim de lucrarem mais, existem outros motivos como, por exemplo, a manutenção de terras em condições agricultáveis, isto é, terras que já foram agricultáveis e que estão”paradas”, sem cultura alguma.

Na queimada urbana a especulação imobiliária é um dos principais motivos que levam o proprietário do terreno a recorrer à queimada. “Manter um terreno em área urbana coberto por pastagem facilita a legalização e transformação dessa área em loteamento, por exemplo. Ninguém vai autorizar um loteamento em um remanescente florestal, mas em pasto tudo facilita”. O mato alto também pode trazer animais peçonhentos e causar perigo para a população em torno do terreno.

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Queimadas por tipo de vegetação em 2018 | Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)


 

A REALIDADE DAS QUEIMADAS EM BAURU
Na região do centro-oeste paulista, a incidência de queimadas tem aumentado gradativamente. Em Bauru, um dos maiores focos desse problema, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA) está advertindo e autuando os terrenos e residências com ocorrência de queimada. Desde a criação de uma lei de combate às queimadas, em 2016, foram aplicadas 118 advertências e 132 autos de infração. Só neste ano de 2018, 31 advertências e dois autos de infração foram lavrados.

Atualmente, o estado de São Paulo é o maior produtor de cana-de-açúcar do Brasil, com a finalidade da fabricação de açúcar e de álcool, além de ser referência na fruticultura, em especial a de laranja. Em 2016, o PIB do agronegócio paulista cresceu 7,4%, atingindo a marca histórica de R$ 276 bilhões, segundo dados veiculados pelo governo do estado.

As queimadas que são causadas pelo homem têm como principal objetivo preparar o solo para a agricultura ou mesmo destruir a vegetação para que seja possível criar pastos para animais. Sendo São Paulo, em especial a parte centro-oeste do estado, um dos grandes pilares desse tipo de movimento econômico, a ocorrência de queimadas é diretamente ligada a tais atividades econômicas.

Além do problema de destruir a vegetação com objetivos econômicos, há que se ressaltar que o clima seco de várias regiões do país acaba tornando propício o alastramento do fogo. Com uma vegetação típica de cerrado, com árvores menores e retorcidas e folhas secas, esse bioma possui características que facilitam as queimadas, aumentando ainda mais o índice dessa prática.

Originalmente o cerrado ocupava 14% do território paulista, representando 3,4 milhões de hectares. Hoje, mal cobre 211 mil hectares, restando em apenas 0,84% da área do estado, segundo dados oficiais do governo. Dessa forma as matas sofrem graves riscos quanto a sua preservação de fauna e flora, além de seu papel no ciclo biológico.

Um incêndio mal controlado pode causar muitos problemas para os moradores, em diversos aspectos. Foi o caso de Iberaldo Luiz, dono de uma chácara no Vale do Igapó, região entre Pederneiras e Bauru, que teve seu terreno danificado devido a uma queimada.

“Não tinha noção de como isso traz prejuízos. Minha chácara foi tomada pelo fogo de um terreno do lado, onde não há construção, só mata. Estava ventando muito no dia e acabaram caindo brasas nas minhas árvores.”, relata Iberaldo.

Ele é residente da cidade de Americana (SP) e vem para Bauru em alguns finais de semana para visitar seus pais e irmãos. E sua chácara era um ponto de encontro da família. “Realmente vou gastar bastante para reconstruir algumas coisas. E fico bem triste, pois foi um investimento para minha diversão e da família. Daí vem um inconsequente e coloca fogo no terreno do lado. Será que ele não percebeu que poderia me prejudicar fazendo isso?”, diz Iberaldo.

Ele não é o único da região a sofrer com as queimadas. Luiz de Andrade é caseiro de uma das chácaras que promovem festas aos finais de semana. Ele afirma que foram três casos parecidos, onde o fogo da queimada se alastrou e acabou prejudicando a estrutura da chácara.

“Olha, tivemos que cancelar festas durante quase um mês porque uma vez o fogo acabou pegando na casa principal. E aqui, praticamente tudo é de madeira, é um diferencial de quando alugamos para festas. A Rosa (dona do terreno) acionou a polícia, mas eles nem chegaram a vir aqui para ver o estrago. É muito descaso, né?”

COMO AS QUEIMADAS INFLUENCIAM O CLIMA
As queimadas prejudicam não só o meio ambiente ou as pessoas que moram próximas de áreas afetadas pelo problema, mas também o clima. Segundo o Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão que trabalha em conjunto com a Organização das Nações Unidas (ONU), no século XX houve um aumento em 1°C na média de temperatura global e neste século as previsões não são animadoras, pois no cenário mais pessimista pode haver crescimento de 4°C – fenômeno este chamado de “aquecimento global”.

“A queimada significa queimar uma matéria viva, no caso, as plantas, ou seja, aquela planta não existe mais, não exerce mais suas funções. Quando elas estão sendo queimadas liberam grande quantidade de gás carbônico e outros gases, que são prejudiciais para a atmosfera e para a qualidade do ar em si. Além disso, a ausência de plantas em uma determinada região pode mudar totalmente o clima, visto que elas são barreiras naturais e corredores de umidade”, explica André Loyola, 28, formado em Engenharia Ambiental na PUC-PR.

A mudança climática, apesar de um processo natural, também pode ser incentivada pela intervenção humana, como aponta Loyola: “Em geral, quando se fala em mudanças climáticas, pensamos apenas em um aspecto: da intervenção humana. Mas não, as mudanças climáticas são também um ciclo natural, que mudam de tempos quentes para tempos frios. Porém, é inegável, embora não seja medida, a contribuição do ser humano neste processo com a industrialização, alto consumo de recursos naturais, entre outros”.

A bióloga formada pela Universidade Paulista (UNIP) e ambientalista Pâmela Zucareli, 22, aponta algumas formas de diminuir o “aquecimento global”: “Nós podemos tomar medidas diariamente para a diminuição desse problema, como por exemplo, reciclar lixos ou deixar o carro em casa e usar o transporte coletivo, bicicleta ou caronas. Mas numa escala maior é importante diminuir o uso de combustíveis fósseis, aumentar a geração de energia através de fontes limpas e renováveis, usar a técnica de recuperação do gás metano nos aterros sanitários, aumentar a fiscalização para evitar desmatamento e queimadas, e estimular o reflorestamento.”

Para a bióloga, há uma urgência de se tomar atitudes sustentáveis: “Se nada mudar, acredito que podemos sim passar por graves problemas decorrentes do aquecimento global. Mas ainda acredito que podemos melhorar essa situação, pois hoje em dia vemos uma preocupação maior das pessoas em geral com o meio ambiente. Tudo depende do que for feito agora, se cada um fizer a sua parte, podemos evitar os piores cenários no futuro.”

O otimismo colocado por Zucareli em sua fala também é compartilhado por André: “A perspectiva pro futuro eu acredito que possa ser boa. Com cada vez mais avanços da área ambiental, eu acredito, que de alguma forma, seremos mais sustentáveis. O aquecimento global e as mudanças climáticas podem ocorrer num ritmo menor com a sustentabilidade. Estudos indicam que não é apenas o ser humano que age nesse sentido, mas contribui”.

O engenheiro ambiental conclui com o que considera a via principal de contenção do aquecimento e que tem ligação direta com a conscientização das queimadas: “As medidas a serem tomadas visam diminuir a porcentagem de alteração provocado pelo ser humano. Em geral, medidas como a redução da emissão de gases do efeito estufa e a diminuição da utilização de recursos naturais já ajudariam a, pelo menos, diminuir um pouco o avanço das mudanças climáticas”.

Redação

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