Apesar dos atletas revelados a cada temporada, a maioria sofre com a decepção de um objetivo não realizado
Por Elder John e Victor Toledo
Todo começo de ano ocorre a principal competição das categorias de base do futebol brasileiro: a Copa São Paulo de Futebol Júnior, também conhecida como Copinha, disputada por jogadores de até 21 anos.
Em sua 51ª edição, a competição conta com mais de 120 equipes de Norte a Sul do Brasil. O torneio é conhecido por já ter revelado grandes nomes do futebol mundial como Kaká, Ronaldinho Gaúcho e mais recentemente Gabriel Jesus e Neymar, se tornando assim, uma grande vitrine e a porta de entrada para mais de 3 mil atletas de todo país.
Contudo, o processo para entrar em um clube não é tão simples. Tudo se inicia nas peneiras (nome dado a seleção que os clubes de futebol fazem para descobrir novos jogadores) quando centenas e até milhares de jovens se inscrevem para ter uma oportunidade de entrar em alguma equipe.
A decepção de não ter passado em algum teste é um sentimento muito presente na vida desses atletas, alguns, largam a escola em busca de um sonho que talvez esteja distante, não pela ausência de qualidade técnica, mas pela falta de estrutura em sua formação: seja ela do clube ou até mesmo familiar.
Com exceções das grandes equipes do país que apresentam boa condição para categoria de base, são poucos os jovens que conseguem um futuro promissor dentro das quatro linhas começando em um time de pouca expressão. A grande maioria dessas equipes pequenas apresentam quase que sempre, graves problemas financeiros. E essa questão influencia diretamente na formação dos jogadores, como conta o coordenador técnico de categorias de base do Icasa, Roni Araújo: “Essa é a diferença entre os clubes com ou sem estrutura: o tempo do atleta se desenvolver, por exemplo, num trabalho físico, você não pode dar a mesma carga para um atleta sem a alimentação recomendada, se é que ele teve uma alimentação”.
Roni é natural de Sobradinho, no Distrito Federal. Em 2013, foi treinador do sub-20 e coordenador técnico nas categorias de base do Icasa, no Ceará. Pelo trabalho que desenvolve, o profissional conhece os desafios impostos aos meninos nas peneiras para seleção de jogadores: “O que eu digo pra quem não tem uma condição financeira, é que você vai ter que fazer as coisas acontecerem. Mas uma coisa eu te garanto, o jogador quando tem talento e os três pontos que eu observo (a habilidade, a coordenação e a técnica), ele vai ter um aprendizado da mesma forma”, disse, Roni.
Pelo lado dos atletas, as dificuldades encontradas durante o processo tendem a tornar o sonho distante, como o exemplo do jovem Robson Salvático – conhecido como “Robinho”. Em sua adolescência, enfrentou diversos tipos de peneiras e passou pela decepção de reprovações. Clubes como Cruzeiro e Figueirense, não o aprovaram devido a sua baixa estatura. O que levou o jovem a iniciar diversos tratamentos hormonais para que seu sonho não acabasse naquele instante.
“Nas peneiras é complicado porque você joga só quinze minutos e com cem moleques, você não consegue dar seu melhor. Porque às vezes a gente sai de lugares distantes, fica ansioso pra jogar, e tem dias que nada funciona por conta disso. Você gasta o dinheiro dos seus pais, isso desanima todo mundo”, lamenta, Robson.
O jovem atleta de apenas 22 anos, também teve o prazer de ser aprovado em uma dessas peneiras. O Esporte Clube Primavera, clube localizado na cidade de Indaiatuba, interior de São Paulo, foi uma das equipes que abriram as portas para o garoto, que, inclusive, conseguiu disputar a Copa São Paulo de Juniores em 2015. Entretanto, acabou perdendo espaço na categoria e foi dispensado pelo clube. Seu sonho não se realizaria naquele momento. “Robinho” se queixa das dificuldades encontradas: “É triste porque, você treina a semana inteira, às vezes passa até fome, chega no final de semana, aí você não é convocado. Cara, você fica cabisbaixo, quer voltar para casa, porque você dá seu melhor a semana toda e chega na hora da convocação seu nome não sai”, concluiu.
No futebol feminino, o cenário ainda é mais precário, como conta Monique Venâncio: “O futebol feminino não é tão à risca, você não para sua vida pra ser jogadora de futebol profissional, diferentemente do masculino, para o qual é voltada toda a estrutura”, afirmou.
Monique passou por diversas peneiras durante a juventude e acabou desistindo dessa carreira profissional, por não ter condições de largar tudo e ir jogar bola. O emprego e os estudos foram prioridade em sua vida: “o que acaba desmotivando, não só eu, como as demais meninas, foi a falta de estrutura, com certeza. Você precisa daquilo pra sobreviver, não dá pra deixar de trabalhar pra jogar, então, o sonho acaba sendo deixado de lado, não dá pra fazer daquilo a sua vida, você acaba priorizando outras coisas como emprego e o futebol vira um hobby”, finalizou.
Hoje, Monique é formada em direito pela Faculdade São Judas e trabalha na área em que sempre desejou atuar. Não deixou de jogar futebol, fez parte da equipe da faculdade, porém, como outras garotas e garotos do país, apenas como lazer, deixando seu sonho de lado.
“Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?”, como diz a música da banda Skank, retrata uma boa parte da população brasileira que já se imaginou atuando dentro das quatro linhas e fazendo a alegria de milhares de torcedores. Mas, vimos que a realidade traz diversos empecilhos para dificultar o que poderiam ser trajetórias de glória no esporte.
Meninas e meninos talentosos acabam abandonando essa vida por não alcançarem os objetivos já no começo da vida esportiva e nem terem tempo ou recursos financeiros para esperarem a oportunidade perfeita, que pode literalmente não aparecer.