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Depois da tempestade…

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A bonança ainda parece estar longe. Em meio a mais um ciclo olímpico, figuras importantes do basquete feminino brasileiro debatem os problemas administrativos e estruturais, fracassos recentes e o horizonte pouco promissor
Por Bruno Ribeiro, Edgard Vicentini e Rodrigo Correia
Consumada a eliminação da seleção feminina de basquete nas Olimpíadas de 2016, os integrantes da comunidade basqueteira foram às redes sociais destilar suas críticas e lamentos pela desastrosa campanha tupiniquim. No Twitter, em meio ao debate de jornalistas e torcedores, um jovem garoto questionava aos demais internautas: “e desde quando o basquete feminino ganha alguma coisa?”
Talvez o pequeno rapaz tenha se expressado mal, ou simplesmente seja demasiado jovem para ter vivenciado – e desinteressado demais para nunca ter lido, ouvido ou pesquisado – o glorioso passado do nosso basquete feminino. Afinal, em 1994, a rainha Hortência, Magic Paula, Janeth e companhia subiam ao lugar mais alto do pódio no Campeonato Mundial; em 1996, conquistavam a prata nos Jogos Olímpicos; e em 2000, o bronze.
Contudo, com a estreia da Liga Nacional de Basquete Feminino de 2018 neste início de ano, cabe a reflexão: menos de duas décadas depois de conquistas históricas, o que de fato aconteceu para que a modalidade se deteriorasse ao ponto de ser jogada ao limbo, abandonando os Jogos Olímpicos (em casa!) sem sequer conquistar uma vitória?
Na verdade, os motivos são incontáveis. Apesar do inegável talento de jogadoras como Adrianinha, Iziane, Damiris, Érika, Clarissa e cia., faltaram treinos, condições táticas, físicas e psicológicas. E todos os problemas passam pelas mãos da Confederação Brasileira de Basquete, que com suas dívidas milionárias e gestão amadora, mais parece um arremedo de entidade – personificada na figura do ex-presidente Carlos Nunes e do ex-diretor de seleções Vanderlei Mazzuchini.
Atualmente comentarista da TV Globo, a rainha Hortência tece seu raciocínio na mesma linha, mas com a esperança de que o candidato que apoiou nas eleições da CBB possa mudar o panorama. “Realmente, a falta de conquistas e a dificuldade em lapidar os novos talentos que aparecem são um problema de gestão. Mas tivemos eleições recentemente, e, com a chegada do Guy Peixoto, novo presidente da CBB, estamos aguardando para ver o que vai acontecer”, afirma a ex-jogadora.

(Foto: CBB/Divulgação)


Para ela, as circunstâncias refletem a própria crise política vivida no país: “O problema de gestão não é só do basquete, é do esporte de uma maneira geral. Na verdade, é consequência de tudo o que o Brasil tem visto que ocorre na política. Mas entramos em um momento de transformação, de transição, em que temos que passar tudo a limpo, doa a quem doer”, avalia Hortência.

Entressafra

Ledo engano crer que o desenvolvimento de novas gerações seria concretizado apenas com os resultados. Obviamente, o êxito em competições do mais alto nível internacional fomenta a modalidade, mas não constrói automaticamente um legado basilar. Sem o desenvolvimento no método de formação de atletas, a aspiração em praticar o esporte irá carecer de incentivos – logo, o processo de renovação tende a não dar certo.
Na prática, os melhores exemplos que comprovam a tese remontam dois dos últimos três mundiais sub-19, disputados no Chile e na Lituânia, em 2011 e 2013, respectivamente. Nas duas ocasiões, as brasileiras Damiris e Isabela Ramona terminaram o certame como cestinhas, à frente de atletas que, bem trabalhadas desde a escola e com passagens pela forte liga universitária norte-americana, hoje já estão consolidadas na WNBA e em outro patamar na hierarquia do basquete mundial.
Não cabe aqui qualquer comparação entre as diferenças ideológicas e estruturais com a formação de atletas dos EUA. Porém, em terras tupiniquins, a falta de campeonatos para as categorias de base e a concentração da modalidade em São Paulo e no Nordeste prejudica não somente a descoberta de talentos, como também a lapidação.
Com apenas seis clubes jogando a Liga de Basquete Feminino, o principal torneio para as mulheres do país, o calendário torna-se anêmico, e o número de atletas profissionais um tanto quanto reduzido. Não há dúvidas de que a falta de apoio por parte da iniciativa privada também colabora para um cenário caótico, mas muito disso deve-se aos próprios descuidos da confederação, os quais arranham a imagem de como a bola laranja é tratada no país.

Paralelo

Flávio Canto e Rafaela Silva nos estúdios da Rede Globo (Foto: Reprodução)


A partir do ingresso do judô como modalidade olímpica nos Jogos de Tokyo, em 1964, passaram-se a se organizar as instituições federativas da modalidade em solo brasileiro. A Confederação Brasileira de Judô (CBJ) foi fundada em 18 de março de 1969, sendo reconhecida em 1972, quando o Brasil conquistou a primeira medalha olímpica. A partir de 1984, o país estabeleceu uma tradição vitoriosa em Jogos Olímpicos, conquistando medalhas em todas as edições. Assim, com mais de um milhão de praticantes espalhados pelo território, o judô assumiu, em 2012, a posição de esporte brasileiro com maior número de medalhas na história das Olimpíadas.
Apesar da tradição vitoriosa, a estrutura ainda está longe de ser moderna. Mas, ao menos nas últimas décadas, se mostra muito mais organizada do que a do basquete. E um dos diferenciais – e que deveria servir de espelho para as outras modalidades – é o engajamento de ídolos como Flávio Canto, ex-judoca multicampeão e atual apresentador da TV Globo.
Partiu dele a ideia e os investimentos que deram vida ao Instituto Reação, projeto localizado na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, que forma crianças e adolescentes como atletas de Judô. Desta forma, o apelo social da causa captou grande número de apoiadores, já que sua marca é confiável e vitoriosa.
“Formar atleta é uma tarefa árdua”, desabafa Flávio Canto. Mas, sobre o Instituto Reação, ele não esconde o orgulho. “Hoje o projeto é maior do que a minha imagem, são 17 anos e mais de 60 funcionários, 1.600 alunos, vários programas de inclusão. E quando a Rafaela Silva, nossa atleta, foi campeã olímpica, isso trouxe uma felicidade enorme pra gente. Toda a garotada hoje, quando eles olham pro lado e veem a Rafaela, acreditam que é possível chegar aonde ela chegou”, completa o ex-judoca.

Elas treinam com o que sobra

É claro que os infortúnios do basquete não são exclusividade das meninas. Afinal, a seleção masculina também é acometida pelos arbítrios dos cartolas brasileiros – e o resultado foi semelhantemente visto dentro de quadra nas últimas Olimpíadas, com o time sendo eliminado na primeira fase.
Entretanto, cabem algumas ressalvas: os homens ainda contam com a força da Liga Nacional dos clubes, a qual já está em sua décima edição. Com uma estrutura que evolui gradualmente, patrocinadores fortes, parcerias com a NBA (liga norte-americana) e estratégias de comunicação eficientes, ao menos o horizonte para eles não parece tão tenebroso. Mas, isto posto, voltemos a um sério agravante que influenciou na campanha da seleção feminina: o último ciclo olímpico deixou claro que os homens parecem ter prioridades em relação aos investimentos da confederação.
Em 2014, o treinador do esquadrão feminino era Luiz Zanon, que à época também dirigia a equipe masculina de São José dos Campos no NBB. Para se preparar para o mundial daquele ano, a CBB preparou uma série de treinamentos. Porém, Zanon não queria se afastar do comando de seu time. Assim, a confederação optou pra levar as meninas pra se prepararem no Vale do Paraíba, de modo que o técnico conseguisse conciliar as duas funções. Enquanto isso, os homens treinaram na Hebraica, no Sírio ou no Paulistano, clubes da elite da cidade de São Paulo com estruturas melhores.
Isso sem falar dos torneios preparatórios pra Copa América do ano de 2015. Os comandados de Rubén Magnano disputaram três competições amistosas: uma em Brasília (com recursos da CBB), outra em Porto Rico e outra na Argentina. Enquanto isso, as mulheres só disputaram um.
Isso pode ser explicado pelos próprios dados fornecidos pelo Ministério dos Esportes: em 28 de julho de 2015, a assinatura de um convênio previu o repasse de R$ 7,027 milhões do Governo Federal à confederação de basquete. E o dinheiro deveria ser obrigatoriamente utilizado na preparação da seleção masculina até os Jogos Olímpicos de 2016. Isso sem falar de outros R$ 2,916 milhões gastos entre 2013 e 2014 – quase R$ 10 milhões no ciclo olímpico, portanto.
Neste mesmo período, a seleção feminina disputou os mesmos torneios. No entanto, através de um convênio firmado em 2012,a confederação disponibilizou cerca de R$ 5,174 milhões na preparação até a Olimpíada – praticamente metade do valor destinado aos homens.

Dança das cadeiras

Outra adversidade foram as várias trocas de treinador, assim como já acontecera no ciclo olímpico de Londres 2012. Luiz Cláudio Tarallo foi quem iniciou os trabalhos visando 2016, mas foi substituído pelo já citado Luiz Zanon, em 2013. O treinador seguiu até o fim de 2015, quando foi anunciado o retorno de Antônio Carlos Barbosa, que assumiu já no ano olímpico, em meio a um boicote de três clubes da LBF com jogadoras na seleção, os quais exigiram uma série de medidas para ceder as suas jogadoras para a seleção.

Tarollo, Zanon e Barbosa. (Foto: CBB/Divulgação)


As mudanças de comando e a crise na relação entre clubes e o esquadrão nacional atrapalharam o planejamento para a Olimpíada. O próprio Antônio Carlos Barbosa, durante a preparação para os Jogos, falou em diversas oportunidades que gostaria de ter feito mais amistosos e até torneios preparatórios contra outras seleções de bom nível técnico, como relembrou o técnico à nossa reportagem. “Assumi em dezembro, e foi feito o possível dentro de um prazo que não permitiu planejamento. Não havia uma programação de amistosos com seleções de nível olímpico, isso para mim foi um fator determinante para que nós não tivéssemos alcançado resultados possíveis”, disse Barbosa.
Contudo, a própria escolha dele como comandante foi um tanto quanto contestada. Apesar da boa vontade e do histórico vencedor, o basqueteiro bauruense (71 anos) foi considerado ultrapassado em termos táticos por parte da imprensa especializada. “O momento do basquete feminino não é bom, poucas equipes e, consequentemente, um nível regular de campeonatos internos, praticamente só três jogadoras atuando no exterior, somando tudo isso somos obrigados a considerar que fomos até bem”, justifica o treinador.
E aqui cabe outro questionamento: não seria hora de repensar a participação das mulheres dentro das comissões técnicas? Ao longo de sua história, a seleção feminina já teve 17 treinadores, e apenas uma mulher: Maria Helena Cardoso. O curioso é que foi justamente com ela que a seleção obteve alguns de seus resultados mais significativos, como o ouro nos Jogos Pan-Americanos de 91, em Havana (batendo as anfitriãs de Cuba na final) e a então vaga inédita para as Olimpíadas de 92, em Barcelona. Depois do 7º lugar nos Jogos, a Maria Helena deixou o cargo e nunca mais tivemos outras mulheres (nas Olimpíadas do Rio, cinco das 12 seleções foram comandadas por mulheres).
Com todo este cenário, o mau planejamento da seleção feminina torna-se evidente. Diante das condições desfavoráveis do país e das contestáveis ações da confederação, os fãs da modalidade tentam enxergar uma luz no fim do túnel. Para Hortência, como as ligas atuam de maneira independente da confederação,  a evolução deve acontecer de forma natural. “Internamente, as duas ligas, tanto a masculina quanto a feminina, estão tentando segurar a barra. Além disso, ajuda muito o fato de a NBA estar sendo transmitida com frequência, com jogos ao vivo na TV fechada e agora com compactos na TV aberta, os quais irei comentar”.
E ela complementa sua análise de forma otimista: “O povo brasileiro gosta de basquete. Todo mundo sabe que o esporte é um esporte gostoso, emocionante. Tá no nosso DNA. Então isso ameniza um pouco todos os problemas que tivemos nos últimos anos”, finaliza.
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Redação

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