Escreva para pesquisar

Depressão é um problema a ser encarado coletivamente

Compartilhe
Por  Gabriela Ravazzi, Lara Pires e Rafael Guimarães

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão é a doença que mais contribui para a incapacidade no mundo, situação conhecida por dona Maria*, “Eu saio [de casa] mas, amanhã eu vou. E de amanhã eu mando pra amanhã. Eu vou fazendo assim, eu vou adiando”.

De repente eu comecei a sentir aquela crise horrorosa. Já não era ansiedade, ansiedade já tinha sido antes e eu não percebi. Já era crise de pânico. Do nada… como é que faz? […] É uma coisa que vem de dentro que você não sabe o que que é. Vem aquele mal estar e vem até no estômago. Você sente náuseas, muita náusea, fica dias com náusea e nada passa. E eu fiquei muito tempo assim, eu não sabia o que era”. O que era ansiedade se tornou síndrome do pânico e todos os sintomas juntos trouxeram a depressão, condição que incapacita dona Maria em inúmeras situações do seu dia a dia: “Não tenho vontade de se às vezes tem roupa pra lavar eu não vou lavar. Tem essa roupa pra passar mas não quero passar”.

Às vezes eu fico pensando ‘nossa, como você passeou pouco, como você viajou pouco’… O que eu queria era viajar, mas se chegar perto mesmo acho que eu pulo fora. Não tenho mais vontade de viajar, não. Tenho medo” – Maria

Há mais de 15 anos dona Maria se consulta com psiquiatra e, segundo ela, a primeira medida tomada pelo médico foi medicá-la, “me dar calmante já, psicotrópico e foi aí que ele descobriu que eu tinha que tratar a minha ansiedade pra não chegar a esse ponto. Aí depois que ele viu ele me disse ‘a senhora vai ter isso sempre. É o seu emocional, a senhora guardou e ficou retido dentro de você, agora ele quer vim. Ele vem dessa forma. Aí nunca mais parei de tratar”. Nenhuma outra alternativa de tratamento foi sugerida por nenhum dos médicos pelos quais dona Maria passou, inclusive, ela não vê o próprio médico há meses: “Eu só busco os remédios. Ele fala que não precisa [conversar]”. Dona Maria conta que antes de viajar, por exemplo, o psiquiatra já deixa assinadas as receitas de todos os pacientes sem que eles passem por uma consulta. Ela acredita que se a iniciativa para um tratamento alternativo partisse do médico, ela faria: “(…) eu tomo remédio e fica só nisso”.

Atualmente, além do psiquiatra, dona Maria também se consulta com um geriatra que pretende tirar a maior parte dos remédios tarja preta e iniciar um tratamento a partir de medicamentos fitoterápicos, a senhora de 75 anos segue confiante e faz planos para o futuro: “Então eu quero chegar, e ele falou ‘nós vamos chegar lá sim’ (…) Queria ir fazer hidroginástica, achar uma turma bacana e ir passear, ir pra praia. Se bem que tenho medo de ir viajar…”.

Dona Maria faz parte dos 11,5 milhões de brasileiros que são afetados diretamente pela depressão, mas a quantidade de pessoas afetadas indiretamente pelo transtorno certamente não deve ser pequena. Familiares, amigos, colegas de trabalho, aqueles que convivem com alguém nessas condições também sentem as dificuldades. É o que conta Sônia*, filha de dona Maria: “A pessoa que a gente ama sofrendo, sem reagir, tão presa ao seu mundo de sofrimento. Eu queria que ela fosse feliz, que fosse feliz com coisas simples, triviais…” Sônia vive com a mãe e acompanha sua batalha constante, ela acredita que, de certa maneira, os familiares também precisam de ajuda profissional: “Na verdade, eu preciso de terapia, saber como trata-la, como agir de uma forma que a estimule e não a desanime. Mas é difícil para mim, eu às vezes sinto raiva porque acho que é uma mudança tão simples, que é tão fácil buscar a felicidade, mas como é essa busca dentro dessa pessoa?

Dona Maria tem dificuldades em aceitar a necessidade de tratamentos que vão além do medicamentoso. (FOTO: Gabriela Ravazzi).

Segundo Murilo Dourado, terapeuta familiar com mais de duas décadas de experiência, “A depressão não é mais considerada uma doença, e sim um transtorno. Isso significa, em primeiro lugar, que é preciso tirar a pressão por uma cura dos ombros do paciente“. Para os profissionais que lidam com vítimas da depressão como Murilo, os desafios da compreensão e da superação da doença parecem só se multiplicar. A transformação da doença em transtorno faz parte de um esforço para conseguir uma contribuição importantíssima: a da família. “A família precisa entender o seu papel na recuperação. Em muitos casos, o que temos é pressão, confronto. O ideal seria a empatia e a compreensão da situação,” explica Murilo.

Quem sofre de depressão não faz isso porque deseja sofrer. Pelo contrário” – Murilo Dourado

O psiquiatra Marcos Naime também fala da importância da família no tratamento: “Se pensamos que família é aquele grupo de pessoas que nos acompanhou nos primeiros anos de nossa vida, estamos falando de uma gama grande de vivências compartilhadas por longo tempo, com histórias que podem nos ajudar a pensar nossas mazelas e nossos recursos de superação. As famílias muito frequentemente tem em seu repertório uma quantidade grande de recursos acessíveis [para a recuperação] em algum nível”, afirma Marcos.

22264506_1718956744783996_1078421827_n

Marly sofre de depressão há alguns anos. Nas fotos, tiradas por sua filha, acompanhamos um dia de sua vida, desde os momentos bons aos ruins. (FOTO: Lara Pires).

O papel familiar, entretanto, é complexo. “Considerando que estamos falando de uma pessoa acometida de um quadro depressivo grave, com risco de suicídio e com família por perto, o papel dessa família é estar por perto, ajudar a rever as histórias e possibilidades de desenvolvimento pessoal e familiar“, conta Marcos. Entretanto, o psiquiatra explica que por vezes o papel do paciente deve ser substituído por medidas enérgicas: “Também em alguns casos é estar nos momentos mais dramáticos dessa vivência tão dura que é a depressão. Em muitas vezes precisando conter essa pessoa, emocionalmente, fisicamente e, muitas vezes, com ajuda medicamentosa ou hospitalar“.

Transtorno precisa ser atacado por diversos lados

A maioria dos pacientes parece estar dividido em dois grupos: os que acreditam que os remédios são a solução de todos os problemas e os que não entendem a necessidade da medicação.

É muito ruim que as pessoas achem que tomar anti-depressivos seja um sinal de franqueza, mas acreditar que eles sozinhos vão resolver todos os problemas é tão preocupante quanto“, relata Murilo. “Não ajuda que alguns médicos não falem dos tratamentos que podem ser feitos em paralelo ao medicamentoso“.

22236574_1718956681450669_941081512_n

Entre outros elementos, o contato com animais e o uso da internet ajudam Marly a escapar da solidão por alguns momentos. (FOTO: Lara Pires).

O terapeuta faz menção aos demais profissionais que podem auxiliar. Entre os tratamentos alternativos, estão exercícios físicos regulares, mudança da dieta com a contribuição de um nutricionista, terapias com psicólogos e terapeutas ocupacionais e até práticas de caráter espiritual como meditação. “Não adianta nada você tomar um remédio que irá melhorar o humor por algumas horas. Muitas vezes o problema é um sentimento de deslocamento. É o fato da pessoa não se sentir com um objetivo. É preciso incentivá-la a encontrar esse objetivo“, explica.

Em casos de depressão quando o paciente se encontra nas mesmas condições de dona Maria, por exemplo, quantas consultas, remédios, sessões terapêuticas, exercícios físicos, dentre outras opções nesse leque de alternativas, seriam necessárias para trazer algum conforto mental para o indivíduo? Além do tempo a ser dedicado no próprio tratamento, o paciente também investe uma quantia significativa nas inúmeras possibilidades de tratamentos citados acima. Em julho de 2017 a justiça determinou a cobertura ilimitada para sessões de psicoterapia aos clientes de planos de saúde em todo o Brasil. A decisão, a pedido do Ministério Público Federal de São Paulo, anula parte da resolução 387 da Agência Nacional de Saúde (ANS), de 2015, que previa a obrigatoriedade dos convênios de arcar com apenas 18 atendimentos por ano. Os planos de saúde também cobrem outros tratamentos alternativos como, por exemplo, terapia ocupacional.

Para quem não conta com convênio médico, atualmente a média de preços para se consultar com um psicólogo por uma hora está na casa dos R$ 100,00. Uma consulta com um psiquiatra em uma cidade de médio porte como Bauru (SP), por exemplo, custa em média R$ 300,00. Entramos em contato com cinco clínicas psiquiátricas da cidade: nenhuma custava menos de trezentos reais a consulta; uma delas custa R$ 500,00. Uma oferecia retorno dentro de 30 dias; outra oferecia um retorno gratuito de 20 minutos. Para quem convive com algum transtorno emocional há tantos anos, não seria possível abordar  tantas questões em apenas vinte minutos com um profissional que se viu uma única vez.

* Os nomes foram alterados a pedido das fontes.

Tags::
Redação

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Nam quis venenatis ligula, a venenatis ex. In ut ante vel eros rhoncus sollicitudin. Quisque tristique odio ipsum, id accumsan nisi faucibus at. Suspendisse fermentum, felis sed suscipit aliquet, quam massa aliquam nibh, vitae cursus magna metus a odio. Vestibulum convallis cursus leo, non dictum ipsum condimentum et. Duis rutrum felis nec faucibus feugiat. Nam dapibus quam magna, vel blandit purus dapibus in. Donec consequat eleifend porta. Etiam suscipit dolor non leo ullamcorper elementum. Orci varius natoque penatibus et magnis dis parturient montes, nascetur ridiculus mus. Mauris imperdiet arcu lacus, sit amet congue enim finibus eu. Morbi pharetra sodales maximus. Integer vitae risus vitae arcu mattis varius. Pellentesque massa nisl, blandit non leo eu, molestie auctor sapien.

    1

Você pode gostar também

Deixe um comentário

Your email address will not be published. Required fields are marked *