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Do canto às cifras: a torcida como patrimônio dos clubes

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Por Bruno Ribeiro, Edgard Vicentini, Gabriel Castro, Leonardo Biazzi, Lucas Guanaes e Rodrigo Correira

Dentre as grandes personalidades do século XX, podemos destacar, para o bem e para o mau, uma mulher que mudou os rumos da economia e, até os dias de hoje, é idolatrada e amaldiçoada na mesma medida. Seu nome é Margaret Thatcher. Embora reconhecida por sua influência no neoliberalismo e pelo fato de ter ficado no posto de primeira ministra da Inglaterra por 11 anos, a dama de ferro deixou profundas marcas em outro segmento. Tão importante quanto a economia para muitas pessoas, especialmente as das camadas financeiras mais baixas, o futebol foi influenciado diretamente pela política.

Se hoje o esporte bretão inglês ainda carrega a alcunha de um dos mais violentos do mundo, isso se deve às décadas de 1970 e 1980. Naquela época, o público era baixíssimo nos estádios e a violência era algo comum em torno das quatro linhas. Os dirigentes dos clubes pouco faziam, restando ao governo o papel de emplacar mudanças e devolver o público às arquibancadas. Os torcedores, desamparados pelas políticas públicas que desconstruía o estado de bem-estar social, viram no futebol uma maneira de serem notados.

Contudo, promover modificações em algo tão cultural e intrinsecamente ligado à população não seria nada fácil – ainda mais por se tratar do país que criou o esporte. Além disso, os movimentos sindicalistas, que muitas vezes se confundiam com as torcidas de vários clubes, eram grandes opositores de Thatcher. O panorama do futebol inglês estava desgastado, mas, sem um forte motivo, não haveria como implantar as mudanças. Assim, as tragédias da segunda metade da década 1980 vieram a calhar para a primeira ministra. Seja por uma falha distribuição de ingressos, conservação dos estádios, pontuais superlotações ou até mesmo as fatídicas brigas entre torcidas rivais, muitas mortes ocorreram dentro dos estádios ingleses.

Teve início então o embrião do processo de higienização e elitização dos estádios. A instalação de coberturas, cadeiras e outros fatores que impediam a intensa aglomeração de pessoas foi ponto de partida para aumentar o preço dos ingressos e excluir as inúmeras torcidas organizadas, formadas pela população operária – e, consequentemente, mais pobre – dos estádios.

Já no início da década de 90, as cotas televisivas aumentaram e as emissoras passaram a ter cada vez mais influência na organização das competições, principalmente na Premier League, criada em 1992, buscando dar uma nova cara ao futebol inglês. Hoje, quase três décadas após tais eventos, a liga inglesa é a que mais movimenta dinheiro pelas cotas televisivas em todo o mundo.

Tabela Premier League

Foto: Divulgação


 

Uma vez realizadas tais mudanças, os protestos dos torcedores europeus passou a ser concentrado em outro fator: o preço dos ingressos. The Kope Sudtribune, duas das mais fanáticas torcidas do futebol europeu (Liverpool e Borussia Dortmund, respectivamente), iniciaram os movimentos organizados contra o preço abusivo dos ingressos para os jogos. Desde estender inúmeras faixas nos alambrados, até deixar o estádio mais cedo (ou chegar apenas durante o jogo), várias táticas vêm sendo utilizadas para chamar a atenção dos cartolas.

De longe, o Brasil observava o fenômeno ocorrer na Europa. Eis que, com a realização da Copa do Mundo e a construção das modernas arenas, a elitização nos estádios chegou de vez em território tupiniquim. E só então houve a preocupação com a chamada “catracalização” no país pentacampeão mundial. Hoje, no Brasil, existem 16 arenas do mais alto nível.

Segundo dados publicados pelo site Globo Esporte, a média de público do Campeonato Brasileiro de 2016 foi de 15.628 pagantes, cerca de 41% da ocupação total dos estádios, tendo o sábado como maior público por dia da semana, com 18.916 pagantes. O Palmeiras foi o time com maior público: 32.47 pagantes por partida, sendo 76% de seu estádio ocupado (mesmo com o preço de ingresso mais caro do Brasil: R$61,00). O Alviverde Paulista foi seguido por Corinthians (28.764), Internacional (25.421) e Flamengo (24.542). Dos dez maiores públicos, apenas quatro alcançaram 50% de ocupação. A fuga do torcedor dos estádios passa por vários aspectos: do alto preço dos ingressos, violência ou exclusão social – tendo como o maior dos exemplos o fim da famosa geral do Maracanã.

Elitização

Vista dos camarotes da Arena Corinthians. Foto: Reprodução

Ainda em 2016, a média de preço dos ingressos entre os 10 clubes que mais levaram torcidas foi de R$36,30 reais. Para uma família de quatro pessoas, por exemplo, o passeio ultrapassa a cada dos R$100,00 – um verdadeiro adeus do futebol democrático pregado pelo pelo saudoso Sócrates, jogador do Corinthians e da Seleção Brasileira. E por falar no doutor, seu grande amigo e jornalista Juca Kfouri é enfático ao analisar a situação em depoimento ao documentário Adeus, Geral: “Aposto que há corintianos fanáticos que não conseguiram entrar em Itaquera”, bradou o comentarista dos canais ESPN.

O torcedor ainda vê o esporte como paixão. Já o time, por sua vez, passou a ver o torcedor como um cliente, a fim de explorar seu potencial como consumidor. Não à toa, os estádios tentam promover uma experiência recheada de conforto, com mármore nas paredes, TV’s em banheiros e cadeiras, tudo para o maior conforto do espetáculo. Afinal, quem não gostaria de ver seu time com toda comodidade do mundo?

Porém, como de costume, a corda estoura no lado mais fraco. Para Flávio Roda, aposentado e palmeirense, o futebol agora é só pela televisão: “Não tenho condições de pagar combustível até São Paulo, e ainda comprar ingresso para três pessoas. Agora vejo o Palmeiras de casa. No máximo vou ao estádio do Noroeste de domingo”, afirma o torcedor, que agora só tem condições de acompanhar o time de sua cidade.

Em meio aos protestos, o então presidente  Paulo Nobre declarou em 2015: “Eu pergunto se esses torcedores querem ter um time competitivo, chegar no trabalho e não ser gozado, o filho não ser gozado na escola ou se preferem ingresso baratinho. Administro o Palmeiras para 16 milhões de pessoas. Não só para 30 mil, 40 mil que vem ao estádio”, afirmou. A justificativa de cobrar um preço caro para ter um time competitivo é algo recorrente entre os gestores de esporte, que no Palmeiras se faz na prática: a equipe arrecadou mais de 100 milhões somente com bilheteria e sócio torcedor. 

Foto: Samuel Costa/ Divulgação

Em entrevista coletiva, Alexandre Kalil (foto), ex-presidente do Atlético MG e atual prefeito de Belo Horizonte, também opinou sobre a questão social. “No mundo inteiro, futebol não é coisa para pobre. Doa a quem doer. Ingresso é caro em todo lugar. Torcida dividida e entrada a preço de banana estragada só existem no Brasil”. Durante a gestão de Kalil no Galo, o clube conseguiu a maior renda bruta de uma partida no Brasil. Na final da Libertadores de 2013, mais de 58 mil pessoas pagaram cerca de 250$ pelo ingresso, num total de 14 milhões de reais conferidos aos cofres do time.

Ainda quanto a receita dos clubes: em 2016, ano que conquistou o título do Campeonato Brasileiro, o Palmeiras faturou 477 milhões de reais com patrocínios, vendas e marketing. Segundo pesquisa realizada pelo banco Itaú, os times da elite do futebol nacional são capazes de honrar seus custos e despesas e, mesmo assim, que sente o resultado no bolso é o torcedor. 

Outro aspecto apontado como um dos responsáveis pelo esvaziamento dos estádios é a falta de segurança. Muito são os exemplos de violência vivida por pessoas durante um jogo, comumente atribuída as torcidas organizadas. Para Eli Vagner, professor de Filosofia da Unesp, essa rivalidade é baseada na intolerância ao adversário: “No caso das torcidas a motivação é ainda mais rasteira, irracional, o inimigo é diferente apenas pela cor da camiseta do time. Nenhum integrante de torcida consegue organizar uma raciocínio básico de justificação de seu comportamento, ali impera mesmo o terreno da indigência intelectual”, explana o docente. “A imagem da antiga geral, enquanto tipo cultural e social, é muito interessante, mas parece que ela via deixar de existir na sua forma massiva e evidente nos estádios”, completa Eli.

Sócio torcedor

Nos últimos anos, futebol nacional conta com uma crescente nos planos de sócio-torcedor. De acordo com o Torcedômedro, ranking de sócios-torcedores do Movimento por um Futebol Melhor, o Palmeiras é o clube que melhor reflete essa tendência. Líder em sócios com mais de 122 mil pagantes mensais, o antigo Palestra consegue bons números para sua ala financeira, aumentando a receita e investimentos. Do top 10, seis clubes conseguem mais de 100 mil associados – um número que ainda pode crescer para torcidas com milhões ao redor do país.

Esse torcedor que nem sempre mora na mesma cidade ou estado de seu clube é visto como consumidor, já que além de pagar mensalmente seu clube, compra produtos online e se reúne para ver as partidas. Para Paulo Nobre, ex-presidente do Palmeiras, o torcedor mais afastado é tão torcedor quanto o que vai aos jogos, já que também pode participar do clube de outras formas. Assim, o torcedor-cliente do século XXI é alguém embalado pelo momento do clube, pela inauguração da arena nova. Paga 300 reais na camisa do ano, tira selfie e come sushi no intervalo. Enquanto isso, de longe, o fanático de classe mais abastada, que passou por gerações de craques, vê seu time de casa – já que seu chinelo não é mais bem-vindo.

A capital das torcidas

No dia 24 de julho, o Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi, registrou a maior presença de público do Campeonato Brasileiro 2017, até então, com pouco mais de 51 mil pessoas que foram até o estádio, em uma segunda-feira, acompanhar o empate entre São Paulo e Grêmio por 1 a 1. Com os ingressos nos chamados preços “populares”, a equipe Tricolor foi na contramão da tendência dos seus principais rivais da capital que possuem as entradas mais caras do país.

Apesar de não conquistar um título desde 2012, o São Paulo, ainda assim, tem seu lugar nas maiores médias de público. Se em 2016 a equipe ficou entre as cinco maiores médias devido a participação na Copa Libertadores, este ano a presença de Rogério Ceni como treinador e a média do preço de ingresso ser de R$26 reais fazem a equipe ter a terceira maior média de pagantes, mesmo a equipe ocupando o Z-4 na 17ª Rodada do Campeonato Brasileiro.

Foto: Divulgação

Clube com raízes oriundas da elite paulistana, já que se originou da junção de dois clubes (a Associação Atlética das Palmeiras e Club Athlético Paulistano), se livrando de uma falência, o São Paulo não é o único que segue uma tendência diferente de sua fundação. Na Zona Leste de São Paulo, o Alvinegro Paulista também segue rumos diferentes de suas origens.

É o time do povo, é o Coringão!”. O canto entoado pela torcida do Corinthians faz menção ao perfil do seu torcedor e às origens do clube. A equipe, fundada em 1910 e formada por operários, teve desde do início da sua trajetória a identificação com as classes sociais mais baixa da capital paulista. Entretanto, esse estigma de ser o time do chamado “povão” já não prevalece mais. Com o chamado o futebol moderno, os investimentos em gestão de marketing e também com a construção do tão sonhado estádio próprio, a equipe teve que abdicar um pouco de suas raízes e ter um dos ingressos mais caros, atrás somente de Palmeiras e Flamengo. Em 2017,  Arena Corinthians recebe uma média de público de mais de 31 mil pessoas, com o valor do ingresso beirando a R$ 51,00 – quase o dobro das cifras médias do Tricolor Paulista.

A imagem de clubes pertencentes a determinadas classes sociais está mais ligada a um folclore do que ao cenário da realidade das torcidas brasileiras. Como mostram os dados pelo Datafolha em 2011.

Dados: DataFolha. Arte: Rodrigo Correia

Mas, ainda assim, esses aspectos ligados aos laços originários podem estar intrínsecos no perfil do torcedor, como afirma o professor e jornalista José Carlos Marques: “No caso do futebol brasileiro, muitos clubes possuem raízes com segmentos mais populares, enquanto outros representam o extrato mais elitista da sociedade. É óbvio que essas representações nunca vão ser apagadas e, vez ou outra, aparecem nos confrontos que a gente acaba enxergando em estádios pela televisão”, declara o docente.

O estado de São Paulo é a região na qual mais investe no futebol do Brasil, tendo o Campeonato Paulista como o mais forte estadual do país, com cinco representantes no Brasileirão, o mais representado no certame, e por isso tende a cobrar e arrecadar no aspecto financeiro. Essa tendência acontece também em outras modalidades – caso do basquete no interior paulista, como evidenciado com o Bauru Basket na reta final do NBB.

 
Voo do Dragão

Foto: Lucas Guanaes/Locomotiva Esportiva


Como se constrói um campeão nacional de basquete? No caso do Bauru, com persistência e um projeto a longo prazo. A agremiação da Cidade Sem Limites, atual campeã do Novo Basquete Brasil (NBB), é uma das poucas que disputou todas nove edições do torneio, tendo alcançado o posto de finalista nas últimas três.
A paixão da cidade pelo esporte foi demonstrada pela torcida que lotou o Ginásio Panela de Pressão ao longo dos playoffs do certame. E, na trajetória rumo ao título, a caminhada não foi fácil – e muito menos barata. Afinal, foram três viradas seguidas sobre Brasília, Pinheiros e Paulistano, confrontos nos quais teve que vencer três jogos consecutivos em cada eliminatória para se sagrar campeão.
Entretanto, como o ginásio bauruense não comporta a capacidade mínima de 5 mil lugares estipulada pela LNB (Liga Nacional de Basquete) para receber a partida final, a equipe teve que sediar seus jogos no ginásio Gigantão, em Araraquara, a 128 km de distância de Bauru.
Como se não bastassem os custos de pedágio (R$20,80 contando ida e volta) e gasolina para se locomover de uma cidade a outra, o ingresso mais barato – que antes custava R$15,00 – aumentou para R$25,00, num acréscimo de 66% no valor padrão. Ainda assim, aqueles que se prontificaram em ir até a final tiveram que enfrentar grandes filas e ver as entradas se esgotarem em menos de uma hora nas bilheterias dias antes da grande decisão.
Abner Bento, torcedor do Dragão há quase uma década, foi um dos que conseguiu estar presente na final e relembra como foi o processo: “O preço mais caro até compreendo pelo aumento na procura, mas se colocar na balança com alimentação e transporte, pode pesar. A demanda foi gigantesca e eu não tinha condições de ficar na fila desde as 7h da manhã, só consegui ingressos porque a chefe do meu pai recebeu alguns por parte do patrocinador”.
Apesar da desorganização, Abner não nega que tudo isso é minimizado com a conquista do tão sonhado título pela equipe do Bauru Basket: “Ter visto o título in loco foi um sentimento de dever cumprido. Acompanho há pelo menos 8 anos e vi todos os títulos do projeto. Era o único que faltava pra cidade, e teve um gosto especial por conta das viradas” ressalta o torcedor.
O investimento do torcedor trouxe os louros almejados, mas resta saber por quanto tempo. Eleito o jogador mais valioso das finais, o ala Alex Garcia já renovou seu vínculo com a equipe. Porém, peças importantes como Jefferson William e Léo Mendl, ambos com passagens pela seleção brasileira, já estão com as malas prontas rumo à cidade de Franca, onde irão defender as cores do time local. Por lá, a agremiação esteve prestes a fechar as portas no ano de 2015, mas o engajamento da comunidade francana na formulação de um programa de sócios evitou que o pior acontecesse.
Às vésperas do início da temporada 2017-2018, a diretoria do Bauru corre contra o tempo para arrumar novos patrocinadores e recompor as perdas com reforços à altura dos que saíram. Como carta nas mangas, possui não somente o tempo de exposição da marca nas mídias, como também o potencial de consumo daqueles que amam o time sem moderação. Dessa maneira, mais do que patrimônio esportivo: os torcedores, independentemente do clube e da modalidade, mostram-se, cada vez mais, verdadeiros sócios nessa empreitada de transformar seus times em projetos rentáveis e, é claro, vencedores.

Redação

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