A maior potência mundial deixa o acordo nuclear com o Irã em reviravolta diplomática que pode gerar graves consequências
Não são recentes as tensões envolvendo os Estados Unidos e diversos países do Oriente Médio. As ameaças de ambos os lados se tornaram ainda mais complexas após as constantes crises petroleiras no comércio internacional e, principalmente, o término da Guerra Fria – isto porque, durante os anos em que a União Soviética dividiu o posto de potência mundial com o país norte-americano, uma acirrada corrida em busca de aliados e entrepostos estratégicos aumentou a escalada de tensão na região.
Segundo Geraldo Mellado, graduado em História e professor, a problemática atingiu o ápice após o atentado terrorista em 11 de setembro de 2001: “Após o ataque às torres gêmeas, o então presidente George W. Bush autorizou a invasão de tropas estadunidenses no Afeganistão e, dois anos depois, mobilizou 150 mil soldados contra o Iraque, a fim de afastar do poder o regime chefiado por Saddam Hussein”, explica.
Neste contexto, os EUA adotaram uma política externa intervencionista na região, oficialmente contrária ao terrorismo e favorável à democracia, mas também com interesses econômicos nas ricas reservas de petróleo. Para o professor, “este foi o principal momento em que os Estados Unidos findaram inimigos no Oriente Médio, o que motivou inclusive o governo a criar uma lista chamada ‘Eixo do Mal’, composta por – além de Cuba e Coreia do Norte – Líbia, Síria, Iraque e Irã.”
O Irã era justamente um dos principais aliados da União Soviética – e manteve sua disposição diplomática após a queda do regime socialista. Neste cenário, os iranianos adotaram uma postura de defesa agressiva contra qualquer medida dos Estados Unidos – e, na modernidade, isto inclui o desenvolvimento e a produção de armas de destruição em massa.
O que é o acordo?
Devido às turbulências políticas e a ameaça crescente do poderio bélico do Irã, foi assinado um histórico acordo em 2015, na cidade de Viena, Áustria. Os chefes diplomáticos iranianos reuniram-se com representantes do grupo 5+1 (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Rússia, China e Alemanha) e chegaram a um consenso após 20 meses de negociação.
Barack Obama, à época presidente dos Estados Unidos, anuncia o acordo na Casa Branca (Foto: Andrew Harnik/Reuters)
Essencialmente, a conciliação visa reter o programa nuclear iraniano através de severas restrições, como reduzir o abastecimento de reatores, limitar o estoque de urânio, criar um sistema que permita a inspeção constante de membros da ONU, reconfigurar um reator específico de água pesada destinada à produção de plutônio e diminuir o número de centrífugas operantes, substituindo-as, inclusive, por modelos obsoletos.
A ideia era tornar a produção de armas de destruição em massa no Irã um processo inviável economicamente e cientificamente. Por outro lado, diversas sanções internacionais – sobretudo as norte-americanas, oriundas dos citados momentos de tensão política e militar entre as partes – que flagelavam as finanças do país, principalmente em negociações bancárias ou aquelas no tocante ao comércio internacional de petróleo seriam renegociadas ou retiradas. Além disso, o acordo ainda descongelou bilhões de dólares que a capital Teerã mantinha no exterior.
Com o acordo, Irã se comprometeu a limitar seu programa nuclear. Em troca, teria suas principais sanções retiradas. Foto: GettyImages
Contudo, o pacto apresenta vácuos que, na prática, comprometem seu escopo central. Dentre as medidas acordadas, não há um impedimento oficial caso o país asiático pretenda testar ou disparar mísseis balísticos, em qualquer contexto. O texto ainda trás uma vasta gama de datas de vencimentos pré-estabelecidas.
Em oito anos, por exemplo, o Irã poderá restabelecer até 30 novas centrífugas – número que pode subir dentro de mais dois anos. Já em seu décimo quinto ano de vigência, qualquer tipo de limitação ao enriquecimento de urânio, bem como ao poderio do arsenal do país, terminam.
A saída dos Estados Unidos
Usando justamente tais vencimentos contínuos como principal argumento, o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se apresentou como um dos maiores críticos do acordo. Para ele, o estabelecido não afastará a possibilidade do Irã de fabricar uma bomba nuclear, apenas adiará o fato. Não à toa, durante sua campanha eleitoral em 2016, Trump frequentemente trouxe à tona sua opinião aversiva quanto ao acordado em palavras duras ao classificar o governo iraniano como “um regime que pede ‘morte à América’”.
A tendência diplomática prevista se confirmou em 8 de maio de 2018, com o presidente norte-americano anunciando a saída dos Estados Unidos do pacto, assim como novas sanções econômicas e científicas unilaterais contra o Irã – afetando, inclusive, qualquer empresa que esteja negociando com o rival asiático.
Naturalmente, uma decisão de tamanho impacto gerou debates assíduos na comunidade internacional. Israel, por exemplo – aliado histórico dos EUA – apoiou veementemente Trump. Contudo, potências europeias como a França e a Alemanha repudiaram a medida e anunciaram sua permanência no acordo, com ou sem a presença dos Estados Unidos.
O Irã também se manifestou, obviamente condenando a medida de Donald Trump. Com um preocupante teor de ameaça, o porta-voz do país anunciou de forma oficial que a saída injustificável dos norte-americanos se configurou em “um erro do qual os Estados Unidos irão se arrepender”.
Por outro lado, o chefe da organização iraniana de energia atômica, Ali Akbar Salehi, deu a entender em pronunciamento que atualmente o Irã é capaz de enriquecer urânio a um nível ainda mais elevado do que antes da fatídica assinatura – dando margem à interpretação de que o país não respeitou totalmente as tratativas vigentes no acordo.
Porém, é necessário ressaltar que Trump simplesmente não ofereceu nenhum outro acordo; a saída prematura dos Estados Unidos não cedeu escolha ao Irã, senão acelerar ainda mais o desenvolvimento de mísseis balísticos e armas nucleares. A medida, portanto, pode ter efeito contrário ao desejado.
Consequências
É inegável que tal decisão irá aprofundar ainda mais o distanciamento diplomático entre os Estados Unidos e grandes potências, como a Rússia e a China – além dos países europeus tencionados a se manterem no acordo. Distanciamento este que já sofre uma crise por conta de outras medidas radicais de Donald Trump à frente do país mais poderoso do mundo.
Em entrevista ao portal Sputnik Brasil, Kelsey Davenport, diretora do Departamento da Política de Não-Proliferação da Associação de Controle de Armas, afirmou ainda que “a decisão de Trump de violar o acordo nuclear com o Irã, voltando a impor sanções, é perigosa, irresponsável e capaz de provocar uma crise nuclear que a comunidade internacional não pode permitir”.
Tal crise nuclear pode fomentar ainda mais as rixas antigas no Oriente Médio, colocando em risco, sobretudo, rivais históricos do Irã, como Jordânia, Bahrein, Arábia Saudita e principalmente Israel. Além, claro, do grupo de rebeldes apoiados pelos Estados Unidos na Guerra Civil da Síria que já se prolonga por sete anos.