O que prevê a reforma trabalhista e o que muda na vida do assalariado caso ela seja aprovada
Bruna Malvar e Caroline Balduci de Mello
Logo que assumiu o governo, Michel Temer e sua equipe apresentaram três propostas de alteração na legislação trabalhista. Os projetos do Governo são regulamentar a terceirização, tornar o Programa de Proteção ao Emprego (PPE) política permanente e propor mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tudo com previsão de entrar em vigor até o final de 2016.
De acordo com Ronaldo Nogueira, Ministro do Trabalho, a proposta referente à terceirização vai contemplar a regulamentação de “serviços especializados”, mas não especificou quais. A intenção, segundo Nogueira, é ouvir especialistas, trabalhadores e empregadores a fim de chegar a um acordo que fique bom para todos.
O governo estuda qual será o melhor meio de encaminhar o projeto e, caso seja aprovado, as empresas poderão contratar serviços de atividades-fim (atualmente apenas atividades-meio podem ser terceirizadas, como limpeza, alimentação e segurança).
O objetivo da medida é facilitar a vida do empregador, de acordo com o ministro. O empresário poderá passar para outra firma o dever de garantir os direitos trabalhistas como benefícios, 13º salário e férias. Não haverá regulamentação que impeça um empregador de contratar pessoas jurídicas em vez de pessoas físicas em sua organização, isentando-se de pagar pelos mesmos direitos.
O segundo projeto do Governo Temer é tornar permanente o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que permite às empresas com dificuldades financeiras a opção de reduzir a jornada de trabalho e os salários de funcionários, com a justificativa de evitar demissões.
O Programa permitirá a diminuição temporária de até 30% das horas de trabalho, reduzindo de forma proporcional o salário pago pelos empresários de todos os setores trabalhistas. O governo então paga 50% da parte do salário que o trabalhador deixa de receber do empregador, usando o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Implantado com o objetivo de “Proteger os empregos em momentos de redução temporária da atividade econômica”, o PPE está em vigor no Brasil desde 2015 e deveria acabar no final de 2017. De acordo com Nogueira, a intenção de Michel Temer é encaminhar um projeto de lei ao Congresso que torne o recurso permanente.
O programa foi inspirado no modelo alemão Kurzarbeit, usado logo após a crise de 2009. Na realidade, esse foi um projeto criado na época da queda do Muro de Berlim, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, como forma do país não sofrer ainda mais na crise. É um sistema que consegue frear demissões, manter o país produtivo e sem gastos excessivos do governo – sai mais barato pagar parcelas de salário do que o seguro-desemprego integral.
Apenas a manobra, porém, não resolve a crise. De acordo com Claudio Salvadori Dedecca, professor do instituto de Economia da Unicamp, o Kurzarbeit brasileiro pode não atingir os objetivos planejados. “É uma ideia boa, mas no Brasil ela chega como uma iniciativa atabalhoada, sem uma estruturação. De nada adianta proteger o emprego agora sem uma iniciativa de recuperação econômica”, afirma.
A administração de Temer prevê enviar uma proposta de reforma na Previdência Social ao Congresso, para ser votada logo no início de 2017. Apesar de ainda não estar com os pontos totalmente definidos, já foram divulgadas informações parciais da estratégia. Em uma delas, a versão inicial da reforma exigiria 50 anos de contribuição para o trabalhador ter direito à aposentadoria integral. Um cidadão que começa a contribuir com 20 anos poderá se aposentar com o valor integral apenas com 70 anos, caso a reforma seja aprovada.
Posições Divergentes
Desde que as propostas na legislação trabalhistas foram feitas, a flexibilização – como foi caracterizada pelo Governo Temer – da CLT gerou diversos debates. Sancionada nos anos 40 por Getúlio Vargas, a consolidação reúne as leis nacionais relacionadas ao trabalho. É nela que ficam estabelecidos os direitos do trabalhador, como jornada de trabalho, salário mínimo, férias anuais, horas extra, previdência social. Em seu primeiro pronunciamento oficial como presidente, Michel Temer afirma que o país tem como missão “mostrar a empresários e investidores de todo o mundo disposição para proporcionar bons negócios que vão trazer empregos ao Brasil. Temos que garantir aos investidores estabilidade política e segurança jurídica”, para isso, a “modernização das leis trabalhistas” é necessária.
O presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI), João Felício, afirma que o movimento sindical não acredita em um discurso de modernização como forma de proteger o trabalhador. Como atual presidente da CSI e ex-presidente da Central Única de Trabalhadores (CUT), Felício garante que nunca viu uma reforma na qual amplia-se direitos. “Quando alguém fala de modernização pode ter certeza que não é para humanizar as relações entre capital e trabalho ou ampliar direitos. A direção é sempre a mesma: retirada de direitos”, diz.
Para Alexandre Furlan, diretor da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a atualização da CLT é essencial diante do surgimento de novas necessidades tanto para o trabalhador quanto para as empresas. Furlan acredita que a modernização da lei vai além de questões ideológicas, e afirma: “Simplesmente proteger o trabalhador, esquecendo a sustentabilidade das empresas, a competitividade e a produtividade no ambiente de trabalho, você não conseguirá avançar para uma relação de trabalho mais moderna”.
Furlan relembra que os direitos do trabalhador são constitucionais e não podem ser suprimidos, como é o caso de férias, INSS, 13º salário, FGTS e jornada de trabalho, sendo a ideia de modernização restrita às relações de trabalho que não existiam quando a CLT foi proposta. No entanto, Felício alerta que quando direitos consagrados são tornados objetos de negociação, o movimento sindical deve ir às ruas em peso: “Uma coisa é você ir para a rua para garantir a democracia, o que, infelizmente, ainda é um tema que mobiliza apenas os setores mais politizados e organizados da sociedade. Outra coisa é sair para a rua em defesa de direitos que estão ameaçados. Quando esses temas começarem a ser debatidos abertamente no Congresso, a situação mudará de figura”.
Em julho de 2016, o Presidente da França – François Hollande – aprovou por decreto mudanças nas leis trabalhistas do país. Entre as mais sensíveis estão a mudança na jornada de trabalho (antes limitada a 35 horas, hoje estendida até 60), a facilidade para demissão em tempos de crise e os acordos com redução de benefícios entre a empresa e trabalhador (sem possibilidade de negociação de salário). O processo entre a proposta de lei e o decreto do Presidente ficou marcado por protestos, manifestações, greves de ferroviários e funcionários de limpeza, assim como a paralisação em refinarias, o quê causou grave desabastecimento de combustíveis no país.
Perspectiva de Futuro
Ainda sem um projeto de lei encaminhado, as mudanças na CLT não estão definidas. Segundo Nogueira, são alvos de mudanças as possibilidades para contratação – que deve ser por hora trabalhada ou por produtividade; e a distribuição da carga horária de trabalho – ressaltando que o limite semanal permanece em 44 horas. Para ele: “Tem trabalhador que prefere trabalhar um tempo a mais, uns minutos a mais diariamente, e folgar no sábado”. Sobre o limite de horas diárias, Nogueira afirma que “o freio será de 12 horas, inclusive, com horas extras” e que a possibilidade de mudar a carga horária para 12 horas diárias está descartada, uma vez que “a convenção coletiva vai tratar como as 44 horas semanais serão feitas”.
Essa não é a primeira vez, desde que a CLT foi decretada, que são visadas alterações na lei. Em 1998 o então ministro do Trabalho do Governo de Fernando Henrique, Edward Amadeo, acreditava ser necessário modernizar a legislação trabalhista. Com um discurso semelhante ao de Nogueira, Amadeo defendia que caberia “ao trabalhador e ao empresário decidir o ideal na relação entre a remuneração e o emprego”. O discurso do Governo Fernando Henrique era o de que com as alterações na lei, os acordos feitos em grupos teriam o mesmo valor que o legislado. Fala semelhante a de Nogueira: “O projeto vai delimitar os parâmetros e limites da negociação coletiva, dando aos acordos força de lei. O foco é oferecer segurança jurídica na relação capital e trabalho”, declara.
Arnaldo Mazzei Nogueira, pesquisador de relações de trabalho, avalia que essa série de mudanças pode acabar dando mais poder ao coletivo, sem fortalecer o trabalhador individualmente: “É um pacote de coisas e no meio delas ele [o governo] está dando mais poder às convenções coletivas, que nem sempre estarão do lado do trabalhador. Com uma mão você mostra que vai gerar segurança jurídica, mas na outra você flexibiliza a lei, fazendo valer mais o negociado que o legislado, o que é arriscado”, afirma.
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