Por: Aressa Joel Muniz e Camila Ramos
“Nossa que rosa linda!”, “que flor chamativa, dá pra ver ela de longe”. Esses são alguns dos comentários que recebo enquanto espero o ônibus chegar. Observo melhor as duas rosas que seguro: já maduras, com as pétalas quase completamente abertas, a cor, de um amarelo vivo, contrasta com o verde das folhas que não foram tiradas. Tão pouco os espinhos, na verdade. “Pega na parte de cima porque eu não tirei os espinhos”, ela me disse ao me dar a flor, logo no fim da entrevista.
Foto: Aressa Joel
Não pude deixar de pensar que essa mesma rosa que estava agora em minhas mãos me lembrava muito a protagonista dessa história: bela, talvez não de um jeito comum, já que não era uma daquelas rosas vermelhas ou brancas que vemos com mais frequência; madura, sem vergonha de demonstrar suas experiências, mesmo que isso signifique deixar à mostra algumas marcas da idade; cheia de espinhos, lembranças de uma vida que não foi fácil, mas mostrá-los foi natural, sem grandes resistências; e tinha as folhas: sem intenção de tirá-las (como grande parte das pessoas que cultivam rosas fazem), elas se mostram um adorno interessante, incomum e incrivelmente corretos.
Mas a protagonista dessa história não são as rosas, nem são os espinhos ou as folhas. Na verdade, ela é uma modelo de 29 anos que encontra nos festivais de beleza uma forma de se destacar no mundo da moda. Bárbara Silva nasceu no Tocantins, “Meio Tocantinópolis, meio Nazaré, já que eu tinha parentes nas duas cidades”. É baixinha, com grandes olhos, cabelo curto e cacheado e um sorriso que não poupa calor. Quando me recebe já está de salto, maquiada e devidamente arrumada.
“Eu tenho que me preparar para o próximo desfile, então fico de salto o tempo todo”. O figurino de Bárbara contrasta com o ambiente em que sou recebida: a casa em que mora é simples e antiga. Há verde por toda parte: roseiras, hortas e até um pé de jabuticaba que ela diz não estar dando conta de consumir. Pede que eu fique à vontade, pois ela está sozinha em casa. Passamos pela sala, apenas com um sofá pequeno e uma televisão. A casa, extremamente limpa e com tudo em seu lugar, demonstra não ser lar de muitas pessoas. “Aqui somos só eu, meu filho e minha amiga.”
Imaginei que ficaríamos na sala, onde geralmente se recebem as visitas, mas ela logo me levou para o seu quarto. Lá há duas camas de solteiro, uma delas com um edredom azul e um poster do livro infantil Diário de um Banana na parede ao lado. Na outra cama, apenas algumas almofadas e travesseiros floridos. Me sento na segunda, já que a primeira claramente pertence ao seu filho.
“Isso aqui é tudo que eu tenho. Tá nesse quarto. Um dia quero ter minha casinha, sabe? Fazer um lar com um marido bom e meu filho”. Por enquanto, ela segue dividindo a vida com a amiga de anos, com quem morava no Tocantins. “Decidimos ir para Minas Gerais e lá eu abri meu salão e ela arrumou um emprego. Depois ela perdeu o emprego e passei a assumir as despesas da casa”. Quando a amiga conseguiu um emprego em Barra Bonita, logo disse para Barbara ir com ela. “Mas eu não tinha certeza. O que eu faria por aqui?”. Barbara tentou, por algum tempo, abrir um salão na cidade, mas a quantidade de burocracia necessária impediram seus planos.
Sem emprego, Barbara distribui currículos pela cidade enquanto conta com a ajuda da amiga para arcar com os custos da casa e das idas aos concursos de beleza. “Agora é ela quem me ajuda, entende? Ela é como uma irmã pra mim”. Descreve com alegria a sua rotina dentro da casa: é ela quem faz o almoço, limpa a casa e cuida do jardim onde estão as roseiras que ela me mostrou com carinho.
A maioria das coisas que conta sobre sua vida vêm acompanhadas de sorrisos. Mesmo quando lembra da sua infância no Tocantins consegue falar com saudade da avó que perdeu há dois anos e que foi uma mãe para ela. “Minha mãe foi embora quando era muito pequena e, como a gente era em cinco crianças, meu pai não quis ficar com a gente. Ele ia dar a gente pra várias famílias diferentes”.
Foi aí que a avó interviu, pegando todas as crianças para ela mesma cuidar. “A casa estava sempre cheia e minha vó dizia que sempre cabia mais um”.
Mesmo com saudade da família, Barbara pensa que escolheu certo ao ter saído de lá. A falta de oportunidades fez com que ela partisse para estados vizinhos até chegar no interior de São Paulo. Morando aqui fica mais fácil para ela participar dos concursos de beleza que acontecem, na maioria das vezes, na cidade de São Paulo.
A trajetória no mundo artístico não é fácil. Qualquer um que tenha visto uma entrevista com um ator, atriz, cantor, modelo pode perceber as dificuldades que eles encontraram para estar onde estão. E nesse caminho onde há mais pedras do que flores, muitas pessoas acabam deixando pelo percurso seus sonhos e objetivos.
Mas esse não é o caso de Bárbara, que desde os 13 anos já sabia o caminho que desejava seguir “Desde criança sempre gostei desse mundo artístico, comecei a cantar em bandas aos 13 anos e já desfilava na escola”, conta. Na sua caminhada Bárbara já encontrou algumas dificuldades. “As pessoas nos julgam por querer ser modelo. É um caminho difícil para quem quer chegar lá com honestidade. Temos que lidar com assédios, promessas falsas, etc. Tudo isso mexe muito com nosso psicológico. Já sofri muita dificuldade financeira também. Cheguei a dormir na rodoviária por que o dinheiro estava contado”.
Apesar dos problemas ela diz que não pretende desistir dos concursos até o ano que vem, quando faz 30 anos. “A maioria dos concursos aceita mulheres de até 30 anos, então vou continuar pra ver no que dá. Alguns aceitam mulheres de até 34, mas pretendo seguir outros rumos”, revela. Até agora Barbara conta que não ganhou muito financeiramente, mas venceu concursos e, com isso, reconhecimento. Recorda com alegria de quando ganhou o primeiro concurso. Ela e o filho ficaram muito felizes e comemoraram juntos. “A melhor parte é que a gente conhece muita gente. Fiz mui- tas amigas durante os concursos”. A competitividade entre as concorrentes, no entanto, é um fator que Barbara cita como uma das dificuldades. As meninas que participam muitas vezes criam entre si um ar de inimizade, chegando até mesmo a sabotar a participação das concorrentes.
Foto: Acervo Pessoal
No entanto, é de lá que vem sua maior influência já que, quando perguntada sobre as suas inspirações, Bárbara não cita modelos famosas ou atrizes reconhecidas. Ela cita a amiga de São Paulo que conheceu em um dos concursos. “Ela é linda, foi eleita embaixadora da paz no Rio de Janeiro”.
Beleza e elegância são alguns dos pontos julgados nos festivais. Postura, sorriso e o andar são outros. Para Bárbara, essas são questões que podem ser treinadas e desenvolvidas antes dos concursos. “Mas acredito que existam outras coisas que os concursos de beleza poderiam destacar. Como a verdadeira beleza, a diversidade. Fazer entrevistas também seria muito legal. Conhecer a beleza de cada mulher de uma forma mais verdadeira”.
Segundo a modelo houve um grande avanço nos concursos de beleza. “Hoje em dia vemos cada vez mais mulheres que mostram suas estrias, celulites, gordura extra sem medo nos desfiles. E isso deixou de ser visto como uma coisa ruim, que diminuiria a pontuação da participante”. Rindo, ela conta que já viu muitas garotas que possuem mais estrias e celulites do que ela ganhar concursos em uma colocação superior.
No entanto, a jornada para entrar nos padrões dos desfiles ainda é árdua. Ano passado Bárbara se inscreveu para participar do Miss Universo. No entanto, com o peso em que estava ela só poderia participar da categoria plus size. Isso não seria um problema para ela, mas vendo as garotas com quem iria competir disse que não teria chance. “Elas eram muito grandonas e, claro, lindas. Mas eu simplesmente sumiria perto delas”. Para participar do concurso na categoria tradicional Bárbara teve que fazer uma dieta rígida.
Descontente com os padrões de beleza impostos não só nos concursos de beleza mas também na sociedade como um todo, Bárbara pretende realizar concursos como esse em Barra Bonita e em sua cidade natal. A realização desse sonho deve esbarrar em muitos entraves, como patrocínios e apoio da prefeitura. Mas preguiça não é algo que defina essa mulher. “Pretendo realizar projetos para ajudar as mulheres que são lindas, mas não possuem oportunidades. Meu plano é trazer concursos de moda Plus para Barra Bonita e mostrar a beleza das mulheres plus, negras, brancas e etc.”
A curto prazo Bárbara pretende terminar seu curso de costura. “Pretendo um dia abrir uma loja e vender vestidos de festa que eu mesma fizer”. Com o orçamento curto, ela sempre teve de customizar as próprias roupas para tirar fotos e participar de concursos. Peço a ela que me mostre algumas dessas peças e ela se anima. O guarda-roupa, de madeira embutido, sobra espaço para mais roupas e sapatos, mas a quantidade de cores e texturas conseguem preencher esse espaço. Ela me mostra jaquetas que cortou, calças que rasgou e vestidos que restaurou. “Minha amiga me perguntou porque eu fiz esse rasgo aqui”, diz, me mostrando o bolso (ou a falta dele) de uma de suas jaquetas, enquanto dava risada “mas eu não faço ideia, só sei que gostei”.
Foto: Acervo Pessoal
Suas roupas não seguem um único estilo e por isso mesmo formam um estilo único, cheio de cores, texturas, modelos e adornos. Entre sair de um estereótipo para entrar em outro, Bárbara prefere ficar em cima do muro. Nem é só a bela mulher do mundo da moda, nem é só a batalhadora que veio de outro estado para subir na vida. Um dia de cada vez, um projeto de cada vez, ela constrói sua vida com base no que acredita.