TEXTO: DANIELE OLIMPIO E MATHEUS RODRIGO
“Acredito no teatro como única ferramenta de mudança de mundo”, afirma Elisabette Benetti sem nem titubear, ao ser questionada sobre a importância dos teatros numa sociedade. Atriz desde que se entende por gente, ela é uma das responsáveis por aproximar a população de Bauru dos palcos, já que, junto do seu marido e também ator, Carlos Batista, fundou um dos mais antigos grupos teatrais independentes da cidade, o Grupo Ato. Além desta, outras iniciativas existentes em Bauru também tentam apresentar à população maneiras de se ter acesso à essa arte de forma barata e eficaz.
Tentativas essas muito valiosas, levando-se em conta que a cidade possui apenas um teatro, o Municipal, diretamente financiado pela Secretaria Municipal de Cultura. Embora não se tenha uma estimativa específica sobre o engajamento e comparecimento da população bauruense nas peças que estreiam no local, não é difícil imaginar que esse dado seja parecido com aqueles apresentados no restante do país, constatados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2010, o qual mostrou que quase 60% dos brasileiros nunca foi a um teatro.
O pouco acesso dos brasileiros à cultura não é uma novidade e muitos fatores podem influir nesse cenário, como distância, falta de tempo e de incentivo e, principalmente, dificuldade para pagar os ingressos, como indicou um levantamento feito pela consultoria JLeiva Cultura e Esporte em parceria com o Datafolha em 2018. O estudo também comprovou que quase um terço da população (32%) só frequenta atividades gratuitas. Seja pelo motivo que for, há, contudo, em vários lugares do país, grupos de pessoas com a missão de espalhar a palavra do amor ao teatro. Como o Ato, que contribui para a movimentação da cena cultural bauruense.
Com uma história que remonta há 28 anos, o grupo de teatro, que é independente por não receber nenhum tipo de patrocínio financeiro, coleciona em sua trajetória mais de 17 espetáculos, além de várias ações de estímulo à arte. Possuindo três espaços onde organizam peças e oferecem oficinas, o grupo é aberto a todos. “Nós promovemos vivências, não aulas. O teatro é um exercício de consciência, de expressão”, aponta Bette. Orgulhosa do Ato, a atriz ressalta o quanto ama o seu trabalho, que, para ela, representa o belo na sua expressão maior. “O belo do outro, de mim mesma”, complementa.
Os palcos também significam muito na vida da atriz e estudante de teatro e circo Giovanna Viscelli. Aluna do grupo Protótipo Tópico, integrante do Espaço Protótipo, outra iniciativa teatral independente de Bauru, ela não esconde que foi somente quando se juntou ao grupo que pôde ter um envolvimento mais efetivo com a área. “É muito diferente de tudo que eu já havia feito aqui na cidade”, revela. A jovem de 22 anos que iniciou seus estudos nas aulas oferecidas pela Secretaria Municipal de Cultura destaca que encontrou no Protótipo a oportunidade que queria.
Giovanni Alberti, ator bauruense de 21 anos, também se encantou pelo Protótipo assim que voltou de Londrina, onde se formou em Artes Cênicas. “A gente estuda interpretação, tivemos um curso de luz e ajudamos também na montagem. Então, acompanhamos todo o processo de criação de uma peça. Isso é muito importante, pois mostra cada aspecto do desenvolvimento cênico”, declara. Para ele, a possibilidade de estar presente no Protótipo tanto como observador, quanto como colaborador, é um dos aspectos que diferencia a iniciativa.
Apoio insuficiente
Para produzir um espetáculo teatral, é necessário investimento. No entanto, coletivos de teatro que não têm dinheiro suficiente dependem unicamente de editais ou leis de fomento promovidos pela Secretaria Municipal de Cultura de cada município. Em Bauru, entretanto, embora sejam abertos alguns editais durante o ano, a concorrência é desleal e o processo burocrático. “Exige muita paciência e força de vontade. Tem, mas para quem?”, analisa Giovanna. A aluna também enfatiza a dificuldade enfrentada pelo Espaço Protótipo, bem como nas demais iniciativas independentes, de garantir, sozinhos, as suas existências, já que as verbas do município, mesmo as disponibilizadas via editais, não são suficientes.
Além dessa problemática, os interessados em aprender teatro e se formarem na profissão em Bauru acabam encontrando um ensino oferecido pela própria Secretaria Municipal de Cultura, muitas vezes, exíguo. “Enquanto estudei lá, via que eles tinham o incentivo de dar aulas mas não o ímpeto de aprimorar essa medida. Não tinha nem curso de cenografia”, lamenta Giovanna. Para a moça, no entanto, não há entrave maior na carreira de um artista do que não ter contato com a própria arte. “Poucas vezes assisti espetáculos gratuitos oferecidos pelo Teatro Municipal e para quem faz teatro, é de extrema importância ver teatro”, aponta.
Questionado, Paulo Pereira, diretor do Departamento de Ação Cultural da Secretaria Municipal de Cultura de Bauru conta que a maioria dos eventos realizados no Teatro são de produtores de fora da cidade, e, por isso, não são gratuitos, pois eles trazem seus espetáculos e pagam cerca de 9% do que ganham na bilheteria como aluguel do local. Veemente, ele não deixa de explicitar que a Secretaria auxilia o máximo que pode seus artistas locais por meio de chamamentos anuais, cobrança de uma taxa menor de aluguel do Teatro, e editais e leis de estímulo à cultura. “Não dá para criar muita coisa porque nosso orçamento é baixo. Entretanto, existem movimentos para aumentar o valor de repasse aos artistas. Já em relação ao procedimento para participar dos editais, não acho que seja burocrático, é apenas uma característica da utilização do dinheiro público”, comenta.
Paulo também aponta a incapacidade do município de realizar oficinas de treinamentos específicos para determinadas funções teatrais, já que, segundo ele, não há verba para tais serviços, além do fato de instrutores artísticos precisarem ser concursados. “As oficinas ocorrem, muitas vezes, por meio de parcerias e apoios, porém atualmente, é inviável a possibilidade de cursos específicos para iluminação e cenografia”, declara. O diretor ainda destaca que a população deve ir até a Secretaria quando precisar de apoio. “A população tem que vir até nós, pois, quando é pedido nosso apoio, apoiamos. Há um processo. Realizamos o chamamento, analisamos o material e aprovamos ou não. Mas dentro dessas condições, apoiamos a população”, diz.
O panorama para Bete, que há tanto tempo luta para levar o teatro através do Ato, contudo, é só um: “O teatro em Bauru não tem incentivo. Existem somente pessoas, assim como nós, que acreditam muito, que contribuem com a cidade, apesar dos poucos estímulos que temos de transformar a cena culturalmente. Bauru precisa de uma política cultural para incentivar a produção de arte. As comunidades, periferias, não sabem como se divertir. Estamos dando o melhor de nós, mas deve ser feito por mais gente para ter mais efeito”.
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