Longe das lentes da grande mídia, meninas enfrentam toda uma sociedade que as impede de praticar o esporte que amam
Por Maiara Freitas e Pedro Maziero
O Brasil teve grandes momentos durante as Olimpíadas Rio 2016. Uns de seus maiores destaques foram as meninas da seleção brasileira feminina de futebol. Os resultados nos dois primeiros jogos delas atraíram uma atenção inimaginável da mídia, os estádios começaram a lotar – o futebol feminino teve uma média de 46 mil espectadores por jogo – e os torcedores já até pediam por camisas com os nomes das meninas que formavam a equipe.
Uma semifinal de Olimpíada com Maracanã lotado (cerca de 70 mil torcedores) que, apesar da derrota, aplaudiu de pé a seleção brasileira feminina. A raça e a disposição das meninas foram os principais destaques da mídia e era o que mais atraía a atenção do torcedor. O que o futebol feminino vivenciou nas Olimpíadas Rio 2016 está bem longe da realidade cotidiana da modalidade.
A fatídica foto do menino riscando o nome de Neymar e escrevendo o de Marta em sua camisa 10 da seleção teve grande repercussão e podia representar uma mudança que estaria se instalando no país, porém, cerca de um mês depois, nem se falavam mais dos resultados e da precariedade, derivada da falta de investimento e visibilidade do esporte. Os estádios vazios voltaram ao cotidiano de times, que acharam que o cenário iria melhorar.
Tão longe do masculino, a discrepância não se encontra apenas no cenário profissional, ela se inicia ainda na infância, quando se priva uma garota de jogar bola porque “futebol não é coisa de menina”. No Brasil, não há uma cultura do futebol feminino e estamos longe de criar uma.
Jogadoras mais experientes como Marta e Formiga não se deixaram levar pelo momento único vivido durante a Olimpíada. Agradeceram aos fãs por todo o apoio, mas fizeram apelos para que o povo não deixasse de apoiar o futebol feminino. Formiga foi ainda mais longe e declarou: “Não desistam de nós, porque nós não vamos desistir”, em entrevista concedida à TV Globo.
Toda a dor expressa nestes discursos são de quem já passou por toda a dificuldade de uma menina que sonha em ser jogadora de futebol. Marta, quando pequena, jogava futebol escondida dos dois irmãos e tinha que fugir, caso eles a vissem, para não apanhar, como contou em uma entrevista concedida em 2014. O preconceito enfrentado por elas é só o início, os desafios se estendem para a falta de visibilidade e de investimento na modalidade.
Mesmo com a semifinal, o desempenho brasileiro na Olimpíada foi considerado abaixo do esperado devido à ausência de medalhas. A partir deste resultado, alguns integrantes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) passaram a questionar a manutenção da seleção permanente feminina, criada em 2015 visando a Copa do Mundo em 2015 e a Rio 2016 a fim de reunir as atletas e mantê-las em um ritmo alto de competição.
Em reportagem apurada pela EspnW, um ano após a criação da seleção as atletas seguiam sem a carteira assinada e os benefícios prometidos pela CBF. Mariane Pisante, antropóloga esportiva, acredita que esta se tratou de uma medida arbitrária: “Espera-se resultados das atletas da seleção; contudo não se investe na formação e na profissionalização dessas atletas.”
O caso continuou sem solução e, a partir de agosto de 2016, a seleção permanente mudou e passou a focar seus esforços nas categorias de base, preparando as seleções sub-17 e sub-20 para seus respectivos Mundiais.
Uma dúvida frequente sobre essa situação é: de quem é a culpa? Os patrocinadores não investem porque o público não tem interesse ou o público não tem interesse porque os patrocinadores não garantem visibilidade ao esporte? “Não se sabe onde esse ciclo começa, mas sabemos como ele termina: na falta de incentivo, patrocinadores, leis trabalhistas e espaços adequados para a formação dessas mulheres”, analisa Mariane.
Comparações entre as seleções masculina e feminina são frequentes, e podem servir para evidenciar a desigualdade que prejudica as mulheres. No infográfico abaixo, evidencia-se a questão da diferença salarial, que não necessariamente acompanha a qualidade técnica das jogadoras.
Kelly tem 18 anos e joga pelo time de futsal de Bauru. Ela conta que sofreu preconceito na escola e até mesmo dos amigos. “Eles me diziam que futebol não era coisa de menina”. Kelly não recebe remuneração e nenhum tipo de auxílio para representar a cidade em competições. “Trabalho com a minha tia fazendo marmita na hora do almoço, só assim para meu pai me deixar jogar”, conta a menina que ainda nos relata conhecer garotas que fogem de casa para estarem ali no treino. Ela afirma ter o sonho de conseguir uma bolsa em uma faculdade jogando futebol.
O treinador do time de futsal de Bauru é William Tibiriça, o Billy. Ele é ex-diretor do Bauru Tênis Clube, onde treinou os times femininos de futebol e futsal por 10 anos. Billy ainda morou por um ano na Inglaterra e mais cinco nos Estados Unidos, países com alta tradição no futebol feminino. Os anos morando nos EUA renderam contatos e Billy consegue bolsa para as meninas do time em universidades norte-americanas.
No comando de equipes femininas há 25 anos e mesmo com um vasto currículo, a falta de apoio por parte da prefeitura e de patrocinadores faz com que Billy tenha que usar seus contatos para conseguir recursos para uniformes, transporte, alimentação. Enquanto a equipe masculina da cidade conta com investimento de empresas e uma comissão técnica completa, Billy conta com a ajuda apenas de seu assistente técnico, que durante a semana é guarda do Jardim Botânico.
“Sou formado em direito e já me convidaram para dar aula em faculdade, mas eu não tenho ninguém para sustentar, não tenho família…então prefiro continuar aqui, ganhando o que ganho, mas tendo um retorno muito mais gratificante do que qualquer grana” – Billy
Mesmo sem incentivos, a equipe de Bauru alcança resultados expressivos em competições regionais competindo contra equipes patrocinadas. Este ano acumula uma quarta de final na Copa TV TEM, disputada entre março e abril, e um sexto lugar dentre as doze equipes que disputaram a Copa Record entre abril e maio.
William ganha o salário de um professor da rede pública, mas afirma que não irá desistir. “Ajudando uma pessoa, meu trabalho tá completo”, ele finalizou.