Bola na área sem ninguém para cabecear: o outro lado da realidade de quem vive do esporte mais popular do Brasil.
por Isaac Toledo e João Pedro Pavanin
“Jogador de futebol é tudo vagabundo.”
“Recebe milhões e não faz nada, só chuta uma bola.”
“Vinte e dois bobos correndo atrás de uma bola.”
Alguma vez essas palavras já foram ouvidas e ditas por pessoas próximas a você, leitor. Talvez por você mesmo, inclusive. O futebol que a população está acostumada a assistir e ouvir é uma face glamourosa desse esporte. Mas no outro lado da moeda existe um reflexo fidedigno à realidade da sociedade brasileira.
Em fevereiro de 2016, pela primeira vez, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) divulgou dados sobre o futebol nacional. Entre as principais informações, constava que o número de atletas cadastrados pela entidade no país, no ano de 2015, era de 28.203 jogadores. Desse total, 23.238 ganhavam até R$ 1.000,00 como salário. O levantamento considerou como salário apenas o valor pago pelo vínculo dos atletas aos respectivos clubes. Nesse caso, os valores relativos a direitos de imagem, por exemplo, ficaram de fora da contagem.
Para fins de comparação, em matéria divulgada pelo site Valor Econômico, as classes mais pobres da população, D e E, têm juntas renda de até R$ 2.302,00, de acordo com a Tendência Consultoria. Para chegar a esse número, o levantamento foi feito a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) referente ao primeiro semestre de 2017. É importante salientar que, como as classes D e E foram consideradas juntas, o valor superou os dois mil reais. Portanto, é possível presumir que a classe D possa ter rendimento pouco maior que mil reais, enquanto que a E, um rendimento menor ou igual a esse valor.
Segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário ideal para o mês de novembro de 2017, deveria ser de R$ 3.731,39. Os dados corroboram com o fato de que o futebol pode ser usado como metonímia para representar o Brasil. Afinal, para ser jogador, é preciso ter muito amor pelo esporte, ou depender apenas dele para se submeter a ganhar um salário baixo.
A fábrica de ilusões que é construída no imaginário dos adolescentes de que o futebol os dará dinheiro fácil e fama é potencializada devido à educação precária no país. Com condições ruins de estudos, os garotos, muitas vezes, depositam suas fichas nesse caminho, esperando um retorno que só chega para pouquíssimos.
Há quem possa pensar que o importante é receber em dia e ter seus direitos trabalhistas respeitados. Mas não é bem assim que acontece no futebol. Até os principais clubes do país, que em tese teriam mais recursos para bancar seus elencos, são alvos constantes de processos trabalhistas.
Segundo levantamento realizado pelo GloboEsporte.com, os 21 principais clubes de futebol do país somam R$ 2,4 bilhões em dívidas trabalhistas. Para piorar, são réus em 3.037 processos na justiça. Os dados foram coletados nos tribunais regionais do trabalho de todo Brasil e são referentes ao ano de 2016.
Dois clubes cariocas encabeçam a lista de maiores devedores. Botafogo e Vasco da Gama são réus em 391 e 390 processos, respectivamente. O terceiro colocado Internacional aparece com 215. Bahia e Flamengo completam o top cinco. Os baianos tem 198 processos, enquanto que o rubro negro carioca acumula 195. No que diz respeito às dívidas dos clubes, quase 40% do valor são passivos trabalhistas .
A situação do Botafogo chegou a esse ponto devido à gestão de Maurício de Assumpção. Durante o período em que foi presidente do clube (2009-2014), Assumpção praticamente quadruplicou a dívida do Bota, passando de aproximadamente R$ 230 milhões para R$ 848 milhões. Comparativamente, o clube italiano Parma declarou falência em 2014 com uma dívida de R$ 300 milhões. Se fosse um clube brasileiro, o Parma seria somente o décimo colocado no ranking de maiores devedores na época.
PROFUT
No dia 19 de março de 2015, a então presidente da República, Dilma Roussef, assinou a Medida Provisória (MP) 13.155/2015, que criou o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro para financiamento das dívidas dos clubes. A intenção era melhorar a condição financeira e impedir gestões irresponsáveis no clubes.
Conhecida como Profut, a MP prevê redução de juros e multas para as instituições que conseguirem pagar todas suas pendências em um prazo de 240 meses. A medida cobra iniciativas para melhorar a administração dos clubes, principalmente em relação ao pagamento em dia do salário dos atletas.
O não cumprimento das exigências por parte dos clubes pode acarretar punições, como rebaixamento, e torná-los impedidos de participar de campeonatos.
No dia 5 de agosto de 2015, a lei foi sancionada pela presidência. Antes, porém, ao passar pela Câmara dos Deputados, o texto sofreu alterações. Os congressistas retiraram do texto original o artigo que dava maior poder aos atletas para participarem das decisões esportivas das federações.
Contudo, em um raro momento de união dos clubes do futebol brasileiro, por meio do Ministério do Esporte e da CBF, as regras do Profut só passariam a valer em 2018, dentre elas a determinação de que qualquer clube independente do campeonato que disputa deve apresentar a Certidão Negativa de Débitos (CDN).
O CND é um documento emitido pela receita federal que comprova a inexistência de dívidas com órgãos públicos, deixando as equipes aptas a disputar competições nacionais.
Mesmo com as alterações, o Profut fornecia uma fagulha de esperança de que os dirigentes seriam mais cuidadosos e competentes na hora de administrar o clube. Isso traria mais estabilidade para os jogadores e outros profissionais do futebol.
Mas não foi isso o que aconteceu…
No dia 18 de setembro de 2017, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, concedeu uma liminar que desobriga os clubes brasileiros de cumprirem com as exigências do Profut. Dessa forma, os clubes não precisarão mais apresentar a CDN e a regularidade nos pagamentos de obrigações trabalhistas.
“Eu, quando presidente da Federação Nacional dos Atletas, negociei com a CBF o sistema de licenciamento para os clubes, estabelecendo requisitos mínimos para que os clubes disputarem competições oficiais. A previsão para entrar em vigor é agora em 2018. Mas eu não sei como a CBF vai lidar com isso, porque toda hora os clubes choram pitangas para que eles não tenham a obrigatoriedade de pensar o futebol”, afirma Rinaldo Martorelli, presidente do Sindicado dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo.
Francisco Giordani, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da décima quinta região, responsável pelo interior do estado de São Paulo, corrobora com Martorelli.
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Sindicado paralelo
Para além das questões que permeiam as condições dos jogadores que estão longe dos holofotes das redes de televisão (ou seria da rede, no singular?) e dos gramados dos grandes clubes, o futebol reserva outras penúrias, por assim dizer, aos atletas “de série A”. Há muito se discute sobre qual a melhor forma de campeonato (se mata-mata ou pontos corridos), as condições de trabalho (quantos jogos podem haver em uma semana, quais os melhores horários), entre outras. Tendo em vista essas inquietações, surgiu um grupo de jogadores – alguns de nome bastante consagrado – dispostos a levar tais reivindicações adiante.
Tudo começou em setembro de 2013. Após o apito final de uma partida entre Coritiba e Internacional pelo Campeonato Brasileiro, Alex (do Coritiba) e Juan (do Inter) compartilharam entre si o descontentamento em ter de disputar quatro jogos em quatro cidades diferentes em um período de dez dias. Somava-se a isso o cansaço em função dos deslocamentos entre as localidades nas quais seriam realizadas as partidas. Ambos haviam recém-voltado da Europa.
A conversa inicial entre os dois atletas chamou a atenção de outros jogadores igualmente descontentes com o calendário ao qual estavam submetidos. Foi então que eles decidiram se juntar. Por meio de um grupo no WhatsApp, os “atletas formadores” estenderam o convite aos demais jogadores do campeonato. O objetivo era organizar as questões das quais queriam se posicionar, a fim de se prepararem para o debate com quem julgavam “os detentores do futebol Brasileiro”: a Rede Globo e a CBF.
Enquanto esse grupo de atletas se articulava, a Fenapaf – Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol –, sindicato dos jogadores profissionais de futebol, fechara questão com a CBF com relação ao calendário da temporada de 2014. Ficou acertado, sem maiores negociações com os atletas, que as férias seriam reduzidas de 30 para 17 dias. Os 13 dias restantes seriam contabilizados durante a realização da Copa do Mundo de 2014. Alex não gostou da proposta.
Em função da Copa, CBF e Rede Globo optaram por adiantar em uma semana o início da temporada de 2014, prevista para começar dia 19 de janeiro. A decisão, na visão dos atletas, prejudicaria as férias e o período de pré-temporada, haja vista que ambos aconteceriam em menos tempo do que no ano anterior.
Assim, o grupo de WhatsApp virou uma espécie de “sindicato alternativo”, ao qual seus membros atribuíram o nome de “Bom Senso Futebol Clube”. Até aquele momento, vários jogadores haviam demonstrado apoio ao movimento. Além de Alex e Juan, estavam nomes de peso como Rogério Ceni, ídolo do São Paulo, Paulo André, na época um dos principais jogadores do Corinthians, e D’Alessandro, craque do Internacional. Ao final de outubro de 2013, mais de 800 atletas profissionais haviam se interessado em apoiar o “Bom Senso”.
Uma das primeiras ações do “Bom Senso” foi a criação de um dossiê. Nele, os atletas descreveram aquelas que acreditavam ser as desvantagens entre o modo como o futebol era distribuído ao longo ano no Brasil, em detrimento de outros países. Com isso, o grupo apresentou algumas reivindicações.
As áreas abordadas travam sobre calendário (pedia-se 30 dias corridos e irrevogáveis de férias; quatro a seis semanas para pré-temporada; teto de sete jogos por mês) e política (transparência e o controle das finanças dos clubes e a inclusão de atletas, treinadores e executivos de futebol no conselho técnico das competições e entidades). O documento foi entregue à Rede Globo e à CBF e discutido em reunião com ambas, mais o conselho de clubes, os sindicatos, árbitros e o próprio “Bom Senso”.
Em seu manifesto, apresentado no dia 30 de setembro de 2013, o “Bom Senso FC” pedia “(…) um futebol melhor. Para quem joga, para quem torce, para quem transmite, para quem patrocina, para quem apita. Por um futebol melhor para todos”. Os atletas realizaram manifestações em um clima de união pouco comum entre as quatro linhas. A primeira delas aconteceu na trigésima rodada do campeonato Brasileiro daquele ano, quando os jogadores realizaram um abraço coletivo. Na 34ª, sentaram-se no gramado e cruzaram os braços. Houve até ameaça de greve.
Porém, nem tudo ocorreu como o grupo pretendia. As negociações para o início da temporada 2014, por exemplo, não chegaram a um consenso. Os jogos começaram na data originalmente prevista pela Rede Globo e CBF, e não naquela reivindicada pelos atletas. Além disso, ex-jogadores criticaram o movimento.
Carlos Alberto Torres, capitão do tricampeonato mundial e falecido em 2016, disse durante o seminário “Futebol do Futuro”, em 2013, que achava as reivindicações “um pouco exageradas”. “Não tive o trabalho de conferir o número de jogos na Europa, mas não fica muito longe do que temos aqui. Na minha opinião o problema principal são os deslocamentos. Lá na Europa tem deslocamento fácil, não precisa fazer conexão (…). O jogador quer jogar. Se tiver jogo todo dia, eles jogam”, disse o ex-capitão.
Outro campeão mundial pela seleção, Vampeta questionou, em 2014, o fato de o movimento ter como líderes jogadores que estavam em vias de aposentadoria. “Pergunto por que o Rogério (Ceni), o Dida, o Alex não foram reclamar lá atrás? Foram reclamar agora, com 39 anos, parando. Daqui a dois anos vocês não veem nenhum deles em atividade”, argumentou o pentacampeão. Na ocasião, o “Bom Senso FC” divulgou nota na qual afirmava respeitar “toda e qualquer opinião” e acreditar que a posição de Vampeta “mudaria totalmente” quando ele lesse todas as propostas do movimento.
Entre indas e vindas, o “Bom Senso FC”, em forma de entidade organizada, se dissolveu em 2016. A principal liderança remanescente, o zagueiro Paulo André, desligou-se do movimento em julho daquele ano. Em entrevista o jornal Folha de S. Paulo, o atleta alegou que, com a aposentadoria das lideranças mais velhas, “ficou difícil atrair novos jogadores de peso dispostos a dar a cara a tapa”. O futebolista disse acreditar que o maior legado do movimento foram as manifestações em campo e o Profut – programa de refinanciamento das dívidas dos clubes de futebol no Brasil.
A REGRA É CLARA?
No geral, quando se fala em jogador de futebol, logo se pensa naqueles poucos atletas com supersalários. No entanto, como vimos, a esmagadora maioria tem salários que não ultrapassam os mil reais. Mais delicada ainda se torna essa questão quando se leva em conta de que se trata de profissionais. Em outras palavras, de empregos. Por conta disso, mesmo que alguns atletas sejam famosos, reconhecidos nacional e internacionalmente, todos eles são, em suma, trabalhadores, por mais que boa parte da sociedade não consiga relacionar futebol como trabalho.
No Brasil, as relações trabalhistas são, de uma maneira geral, norteadas pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). A lógica é mais ou menos simples: os trabalhadores têm uma jornada de trabalho a ser cumprida, à qual receberão um salário mediante a proporção de tempo trabalhada. Como fica, porém, a situação dos jogadores de futebol se eles possuem uma jornada totalmente incomum se comparada à dos demais trabalhadores?
A atividade profissional dos atletas de futebol, contudo, é amparada por uma legislação própria. A primeira tentativa de formalizar as relações entre esporte e trabalho foi a Lei nº 8.672/93, batizada na época de “Lei Zico”. Ela apresentava, basicamente, resoluções a respeito da prática esportiva, assegurando que os atletas profissionais poderiam ser amparados pelas “mesmas normas gerais da legislação trabalhista e da seguridade social, ressalvadas as peculiaridades expressas nesta lei ou integrantes do contrato de trabalho respectivo”. A “Lei Zico”, porém, foi revogada cinco anos mais tarde, em 1998, pela lei nº 9.615, conhecida como “Lei Pelé”.
Pela nova legislação, instituiu-se o direito do consumidor nos esportes, fez-se mais rigorosa a prestação de contas por parte dos clubes. Para estes, aliás, tornou-se obrigatória a transformação em empresas. Um dos pontos mais polêmicos da “Lei Pelé”, contudo, diz respeito ao chamado “passe”, nome que se dá no ramo ao contrato dos atletas. Antes dela, os passes eram reservados exclusivamente aos clubes nos quais os atletas atuavam. Com ela, essa exclusividade acabou. Assim, os atletas ficaram livres para negociar com empresários independentes sobre suas carreiras.
Por um lado, o fim do passe foi elogiado porque deu maior flexibilidade aos atletas. Antes, eles ficavam atrelados a um determinado clube mesmo após o fim de seu contrato, ou seja, sem receber salário. Os atletas só poderiam ser contratados por um outro clube quando o time detentor do passe do atleta autorizasse. Em contrapartida, a medida foi criticada pois com ela os clubes se viram prejudicados em formar os próprios atletas. Os ganhos com a formação de atletas passaram a ser menos interessantes do que antes.
Mas afinal, como fica a situação dos atletas? Se a CLT não se aplica, a Lei Pelé resolve a questão por inteiro? Juristas divergem quanto a essa questão. Em 2015, o então ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Guilherme Augusto Caputo Bastos, chegou a dizer quem nenhuma das duas legislações serviria para amparar a atividade de futebolista profissional. Na ocasião, Bastos argumentou que o ideal seria a formulação de uma nova lei, capaz de atender de maneira mais eficaz as demandas de trabalho dos jogadores. Ou então, sugeriu o ex-ministro, as demandas poderiam ser atendidas por meio de negociação entre os sindicatos dos clubes e o dos jogadores de futebol.
Carlos Alberto Martins, advogado especialista em direito desportivo, tem uma visão semelhante à de Bastos. O especialista avalia que as condições de trabalho dos atletas são muito díspares em relação às dos trabalhadores tradicionais. Na visão de Martins, a Lei Pelé, embora tente resolver peculiaridades que a CLT não consegue, deixa lacunas. Ele cita o acidente envolvendo o avião que transportava a delegação da Chapecoense para a final da Copa Sul-Americana de 2016, na Colômbia. Alguns jogadores não estavam amparados por seguro de vida, mesmo a Lei Pelé obrigando os clubes a fornecê-lo. O que a lei não prevê, contudo, é a penalidade aos clubes que descumprem essa regra.
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Francisco Giordani, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região, tem visão oposta às de Bastos e Martins. Giordani reconhece que, de uma maneira geral, a CLT não é capaz de amparar os futebolistas profissionais em todas as suas demandas, e que a Lei Pelé trouxe avanços importantes para os atletas. Porém, na visão do desembargador, todas profissões têm suas especificidades, e nem por isso demandam legislações independentes. Nesse caso, ele avalia que a melhor solução seria mesclar CLT e Lei Pelé. Assim, sempre que alguma circunstância não prevista pela Lei Pelé ocorrer, poderia-se recorrer à CLT para resolvê-la, e vice-versa.
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REORGANIZAÇÃO
O dia 15 de abril de 1989 foi um divisor de águas para o futebol inglês.
Naquela data, ocorreria a final da Copa da Inglaterra entre o segundo maior campeão do país, o Liverpool, e o Sheffield Wednesday. O estádio de Hillsborough estava com sua capacidade máxima, mas ainda havia torcedores do lado de fora querendo entrar para ver ao jogo.
Por alguma razão até hoje inexplicável, a polícia liberou o acesso. Houve superlotação e vários torcedores foram esmagados no alambrado. Os feridos foram atendidos no campo e 96 pessoas acabaram morrendo. Todas torcedores do Liverpool. A maior tragédia da história do futebol na Terra da Rainha.
A partir de então, o futebol sofreu uma reformulação radical. Os alambrados foram proibidos nos estádios. As arquibancadas deveriam ficar próximas dos gramados e um processo de modernização de gestão, futebol e estruturas. Consequentemente, houve um processo de elitização, a fim de afastar os chamados hooligans e evitar uma nova tragédia.
Em 1992, os clubes se organizaram na FA Premier League em 20 de fevereiro. rompendo com a Football League, originalmente fundada em 1888. Desde então, aumentaram suas receitas provenientes de direitos de televisão. Em 25 anos de existência, se tornaram a liga de futebol mais popular do mundo, sendo transmitida para mais de 200 países.
Todavia, não foi só na primeira divisão que a reorganização aconteceu. Com a formação da Premier League todas as divisões da Inglaterra foram replanejadas. Considerando ligas profissionais, semi-profissionais e amadoras, a Inglaterra possui ao todo cerca de 480 campeonatos, de 140 ligas, cada uma com suas subdivisões e mais de 7 mil equipes. Se compararmos com o Brasil, dos 776 clubes profissionais listados no único levantamento realizado pela Confederação Brasileira de Futebol, apenas 100 disputavam as quatro divisões nacionais. Isso evidencia a total falta de planejamento e preocupação com os clubes, uma vez que a maioria fica refém dos campeonatos estaduais que, duram apenas quatro meses em média.
A partir da temporada 2015/2016 e para as duas seguintes, os direitos de transmissão do campeonato inglês foram vendidos pelo equivalente a R$ 23 bilhões. Os 20 clubes têm direito a uma fatia igualitária, além de premiações por desempenho e número de jogos exibidos. A divisão final então é de 50%, 25% e 25%, respectivamente. Essa divisão mais equilibrada das receitas é um dos fatores que transformaram a Premier League no campeonato mais rico e popular do planeta.
Na temporada 2016/2017, o campeão Chelsea faturou aproximadamente 151 milhões de libras, o equivalente a quase R$ 710 milhões. Último colocado no campeonato, o Sunderland recebeu quase R$ 438 milhões. Ou seja, a diferença entre os valores relativos ao campeão e o lanterna não chega sequer ao dobro.
No Brasil, a situação é bem diferente. A CBF bateu o recorde em venda de direitos de transmissão do campeonato brasileiro de futebol: R$ 1 bilhão… É, foi por pouco que não chegou ao patamar do campeonato inglês.
O atual campeão Corinthians recebeu R$ 18 milhões pelo título brasileiro. Além disso, as premiações só vão até o décimo sexto colocado. Os rebaixados não são incluídos. O décimo sexto levou R$ 744.030,00. Um valor quase 25 vezes menor.
Isso acontece desde 2011 quando houve a dissolução do Clube dos 13. Foi uma entidade organizada em 1987 formada por grandes clubes do país – São Paulo, Corinthians, Flamengo, Cruzeiro, Internacional, Vasco, Botafogo, Fluminense, Bahia, Santos Atlético MG e Grêmio – que se rebelaram contra a CBF e organizaram, de forma independente, o Campeonato Brasileiro, batizado como Copa União. Conseguiram patrocinadores e negociaram a transmissão com a televisão, rompendo com o monopólio da Confederação Brasileira de Futebol e, a princípio, iniciando uma revolução.
Com a implosão do Clube dos 13, os acordos de direitos de transmissão, que antes eram feitos de forma coletiva, passaram a ser realizados de forma individual. Dessa forma, os clubes com maior apelo popular, caso de Corinthians e Flamengo, passaram a receber muito mais que outras equipes.
Para o ano de 2018, cada um da dupla receberá 170 milhões de reais de direitos de transmissão. Terceiro colocado do montante, o São Paulo receberá R$ 110 milhões. Outras equipes tradicionais, como Palmeiras e Santos, receberão 100 e 80 milhões de reais, respectivamente.
A CBF sempre usou a seleção como grande arca do futebol brasileiro. Contudo, o sucesso internacional da seleção não se reflete nos clubes. Vira e mexe nos mundiais de clubes, os adversários europeus e os jornalistas estrangeiros admitem não conhecer as equipes.
O futebol brasileiro vive do talento de seus jogadores (muitas vezes atuando nos principais clubes europeus e em diversas partes do mundo) e da lenda, do mito que a camisa da seleção brasileira carrega e impõe respeito ao imaginário de outras nações. No entanto, caso não haja reorganização tanto da estrutura e arrecadação do campeonato quanto da gestão dos clubes por administrações mais transparentes e preocupadas em cumprir com seus deveres e garantir os direitos dos atletas, os resultados não aparecerão.
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