Uma área de terrenos baldios no Jardim Brasil, zona sul de Bauru, preocupa os moradores da região pela falta de segurança e fiscalização do local. Localizada nas proximidades do McDonalds da Avenida Nações Unidas, os três terrenos correspondem a uma área que vai da Rua dos Radio-Amadores até a Nações Unidas, sendo cortada pela Rua Almeida Brandão e Rua Vinte e Nove de Outubro.
Os três lotes são um retrato da situação de Bauru, que tem hoje cerca de 30 mil terrenos baldios particulares cadastrados e apenas oito funcionários designados para a fiscalização desses locais, de acordo com dados do Departamento de Saúde Coletiva da prefeitura.
No caso dos terrenos retratados, o tamanho e a localização dos mesmos em uma área de grande movimentação de carros e pedestres aumentam a dimensão do problema. Um caso de estupro, ocorrido no local em 2014, também agravou a sensação de insegurança na população.
Ao sair da comemoração do aniversário da cidade no Parque Vitória Régia, em agosto de 2014, uma jovem de 17 anos aceitou a carona de um vizinho conhecido para ir para casa. Ao se dirigir até o local onde o veículo estaria estacionado, a adolescente foi apresentada a um grupo de dez rapazes, que a teriam forçado a ingerir bebidas alcoólicas e em seguida a arrastaram até um dos terrenos, onde ocorreu o estupro, de acordo com a polícia.
Apenas dois suspeitos foram identificados pela jovem e indiciados na ocasião, mas tiveram a prisão preventiva revogada após dez dias. Um deles, de 19 anos, negou o envolvimento no caso e o outro, de 22 anos, admitiu ter feito sexo oral com a jovem, mas afirmou que ela teria dado consentimento para o ato. No entanto, o inquérito policial do caso foi arquivado em janeiro de 2015 pelo juiz Fábio Bonini, da 4ª vara criminal de Bauru, que julgou não haver provas suficientes para levar os dois jovens a julgamento.
O crime, entretanto, assombra até hoje principalmente as moradoras da região, que conta com uma grande concentração de estudantes. Outros crimes, como assédios e roubos também já foram registrados no local, que ficou popularmente conhecido como “terreno do estupro”, criando um estigma que reflete o cenário de insegurança, fazendo com que a área seja evitada.
A estudante Camilla D., moradora da região, acredita que o nome popular dado ao terreno faz jus a preocupação que ela enfrenta. “Como mulher, acho condizente pois tenho medo do local e o medo vai muito além de assalto. É muito fácil puxar alguém para qualquer daqueles terrenos, por isso evito o local”, conta.
Vítima de assédio enquanto passava por um dos terrenos, Larissa N. também concorda que o termo “terreno do estupro” alerta para o perigo que a área pode representar. “Acho que, de certa forma, dá conhecimento sobre o que acontece lá, possibilitando a prevenção, mas não é eficaz pois não demanda das autoridades que se faça algo sobre o lugar. Além disso, só demonstra que as pessoas sabem do que acontece por lá e mesmo assim não fazem nada sobre isso”, explica a estudante.
Apesar de não ter nenhum registro oficial de quantas são as vítimas no local, a equipe de reportagem conseguiu contatar um grande número de pessoas que passaram por algum tipo de situação nos terrenos baldios. Luiza M., estudante de psicologia, contou sua experiência, em que estava passando pelo local aproximadamente a uma da manhã e percebeu que estava sendo seguida desde a Praça da Paz. Tentou despistar o homem que a seguia entrando pelos terrenos baldios, mas ele a alcançou e conseguiu pegar a sua bolsa enquanto saia tranquilamente caminhando pelas ruas. Após o acontecimento, Luiza diz ter pavor do local e que “evito passar por lá sempre, morro de medo. Até quando eu preciso passar para ir pro ponto de ônibus, evito”.
O mesmo aconteceu com Davi C., que conta que também foi assaltado durante a noite, por dois homens em cima de uma moto. Davi também discorre sobre o eventual aumento da criminalidade na cidade de Bauru, “vemos o aumento da violência em suas diversas formas, inclusive a institucional, como consequência da crise econômica. O bolso aperta, a raiva cresce, a indignação, o desespero, inúmeros sentimentos humanos naturais, porém que a maioria da população não tem condições físicas e materiais para lidar, nem buscar apoio”.
Engana-se quem acha que a violência acontece apenas a noite. Larissa N. relatou que foi assediada durante o dia, às 14 horas da tarde: “o crime aconteceu por volta de junho de 2017, eram cerca de duas horas da tarde e eu subia a rua 29 de outubro, bem de frente ao McDonalds, e notei uma moto parada de frente pra rua, de modo perpendicular, e tinha um homem sentado atrás dela, na calçada. Até aí achei normal, mas ao chegar mais perto notei que esse cara estava com as calças abaixadas. Assim que vi, atravessei a rua e comecei a andar mais rápido, ao olhar pra trás vi que ele subiu na moto e estava vindo em minha direção, nesse momento eu comecei a correr e gritar por socorro, quando eu vi que ele estava perto comecei a apertar a campainha de um salão de beleza e quando eles abriram, o homem subiu outra rua.” Larissa também reforça que não se sente segura passando por lá em qualquer horário, pois há relatos de
assédio, roubo e abuso sexual em todas as horas do dia. Camila D., moradora da região, concorda com Larissa e comenta que costuma andar a pé para voltar do trabalho às 18hrs, mas não passa pelos terrenos pois há falta de iluminação e por conta disso fica mais fácil dos criminosos se esconderem pelo terreno.
Para uma possível melhora dos ataques no local, todos os entrevistados concordaram que era necessário uma maior iluminação. “Além disso, a prefeitura poderia encaminhar maneiras de se fazer algo com os terrenos baldios, para tirar daquele lugar a oportunidade de se estuprar ou assediar por conta da baixa visibilidade e alta possibilidade de se esconder.”, frisou Larissa. Já Davi acredita que medidas físicas são apenas paliativas para a violência, e que para “melhorar a segurança no local, é necessário analisar criticamente o problema de segurança em toda a cidade, desenvolver oportunidades, emprego e serviços públicos de qualidade para a população. É o contrário do que o governo Gazzeta tem feito”.
Todos relataram que contataram a polícia, mas que de nada adiantou. Larissa diz que apenas recomendaram que fosse pra casa e que fariam uma ronda. Ela também relata que “conheço casos em que a vítima chegou até a identificar o assediador, mas nada foi feito com ele.” O mesmo aconteceu com Luiza, que chegou a encontrar uma viatura localizada no McDonald’s mas que “nem ligaram” quando ela se aproximou, dizendo pra se tranquilizar e ir pra casa. Luiza estava aos prantos. Já Davi diz ter sido atendido tranquilamente pelos policiais militares, mas detectou um outro problema quando perguntaram se os ladrões eram “de cor”. “Logo demonstraram o racismo enraizado nessa instituição. É uma questão complicada.”
A questão do atendimento policial para mulheres já é um problema antigo de Bauru, que não atinge apenas universitários. Em 2015 a unidade separada da delegacia da mulher foi realocada para um conjunto de delegacias, para corte de gastos. Desde então, o que já era precário, ficou pior. Os dados sobre a violência contra mulher aumentaram e continuam em crescimento. Segundo a Secretaria de Segurança Pública de Bauru, em 2016 foram registrados 125 estupros, enquanto em 2017 foram 152. No Brasil, existem 600 casos novos de violência doméstica todos os dias, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Thainara, designer de sobrancelha, relatou a agressão que sofreu do ex-namorado, em “uma noite depois do trabalho, ele viu uma conversa no meu celular com um amigo meu e isso foi o suficiente. Ele pediu pra eu entrar no carro, e dali começaram as agressões… Muitos tapas no rosto, socos, puxões de cabelo. Eu tentei sair do carro mas ele era mais forte que eu, então não consegui. Fui gritando
enquanto ele me batia, e com isso o pessoal da rua ouviu e chamou a polícia. Ele só parou de me bater quando eu consegui descer do carro e corri pra perto dos vizinhos, minha boca sangrava muito e meu rosto ficou inchado”. Já na delegacia da mulher, “não tinha policial mulher, todos eram homens”, o que contradiz Priscila Bianchini, delegada em 2015, que disse em entrevista que “a medida (da relocação da delegacia da mulher) não foi prejudicial, uma vez que o atendimento é feito também por plantonistas do sexo feminino e escrivãs, o que não causaria desconforto para a vítima”. Thainara diz ter se sentido muito sozinha, “o policial que me atendeu pra dar a queixa me tratou super mal, os outros policiais só me julgavam, foi uma experiência horrível. Prometi a mim mesma que não entraria em uma delegacia nunca mais. Só fiz o exame no IML, mas não sei mais o que resultou”.
A equipe de reportagem, ao tentar contatar uma mulher que tinha comentado que havia passado por uma situação complicada na delegacia, recebeu a seguinte resposta: “tenho medo, não quero expor mais nada pois a polícia não faz nada”. Márcia, uma senhora de 60 anos, relatou que também foi atendida por um policial homem, que não deu a devida atenção a sua queixa e disse que “não poderia fazer nada por ela”.
Para melhoria no atendimento à mulher, Thainara ressalta que “o primeiro atendimento é o mais importante, porque já estamos fragilizadas, com muita vergonha. Afinal, ninguém quer passar por isso.” Ela diz que o atendimento seria muito melhor com “alguma mulher em uma sala reservada, sem mais ninguém, uma psicóloga talvez. Já ajudaria e muito! Também deveria existir uma delegacia só pra esse tipo de atendimento.” Sobre os policiais homens e o atendimento inapropriado para este tipo de vítima, Thainara finaliza dizendo que “não queremos mais julgamentos, já nos julgamos o suficiente”.
Infelizmente, o caso de Bauru não é exceção ao tratamento das denúncias feitas por mulheres. De acordo com um levantamento de 2016 feito pela Revista AzMinas, apenas 7% das cidades do país possuem Delegacia da Mulher e em muitas delas há denúncias de falha no atendimento.
Em relação a situação dos terrenos, a Prefeitura fala que limpeza e manutenção de terrenos baldios particulares são de responsabilidade de seus proprietários, que são notificados após denúncias feitas no Poupatempo e têm o prazo de 15 dias para efetuar a limpeza do local. Se um fiscal retornar ao local após e o período e a manutenção não tiver sido feita, o proprietário é autuado e é aberto um processo administrativo contra ele. No entanto, foi aprovado pela Câmara Municipal em julho deste ano um projeto de lei que propõe que a Prefeitura possa proceder a limpeza do local, através de contratação de empresas, se ela não for feita após a notificação e multa e que a cobrança do serviço seja direcionada posteriormente ao proprietário.
Em relação à iluminação do local, a Prefeitura se responsabiliza apenas pela manutenção em áreas públicas como praças, viadutos e passarelas, delegando à CPFL a responsabilidade nas vias públicas.
Por Carla Rodrigues e Nathalia Cunha.