Ao Brasil, será imposto um volume máximo de exportação do aço e o alumínio ficará sujeito à sobretaxa de 10%
Por Larissa Cavenaghi e Maiara Freitas
O governo dos Estados Unidos oficializou no dia 1º de junho a imposição de sobretaxas e cotas à importação de aço e alumínio para seu território. A medida tomava a aproximadamente três meses de negociações entre os americanos e parceiros comerciais.
Os embates se iniciaram em oito de março, quando o presidente americano Donald Trump anunciou a criação de sobretaxas para a importação destes produtos. A partir do dia 23 do mesmo mês, passariam a ser cobradas tarifas de 25% para o aço importado e 10% para o alumínio.
A medida foi tomada com base na seção 232, que visa defender a segurança nacional americana. A Casa Branca emitiu um comunicado no qual afirmava que, durante o primeiro trimestre do ano, o Departamento de Comércio realizou um estudo e constatou que o excesso de capacidade de produção de aço no mundo estava enfraquecendo a economia interna. Trump ainda destacou o fato de que a medida se tratava de uma promessa de campanha.
Como explica Mark Langevin, Ph.D em Ciências Políticas pela Universidade do Arizona, as tarifas de Trump são esforços puramente políticos-eleitorais, visando “fortalecer a base e atuar para favorecer os candidatos dele nas próximas eleições”.
“A questão do governo Trump é mais voltada ao tema de liderança multilateral”, afirma o professor ao ser questionado se esta medida estaria interligada à busca pela antiga soberania americana. Ele pontua que trata-se de uma prática frequente entre os líderes americanos, que buscam “vantagens imediatas que dificultam negociações multilaterais”. Mark é diretor da BrazilWorks – empresa fundada em 2009 e que colabora nas negociações entre organizações brasileiras e americanas.
Negociações
A notícia impactou os parceiros comerciais dos Estados Unidos. Antes mesmo do anúncio oficial, diversos países ameaçaram recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC). E a União Europeia prometeu retaliação e imposição de tarifas a alguns produtos americanos.
Primeiramente, apenas Canadá e México – membros do bloco econômico NAFTA, junto dos Estados Unidos – estariam isentos das sobretaxas. Entretanto, o governo americano deixou o caminho aberto para possíveis negociações de isenções para outros países também. O Brasil, enquanto segundo maior exportador de aço para os EUA, foi um deles.
Reviravolta
Como resultado das negociações, no dia 22 – um dia antes da cobrança começar a ser feita -, o representante do comércio, Robert Lightizer, em fala ao Congresso americano, informou que o governo havia decidido que Brasil, União Europeia, Coreia do Sul, Argentina e Austrália também ficariam de fora da cobrança das taxas.
Contudo, esta decisão não chegou a ser concretizada. E, após quase três meses de negociações, o governo americano tomou a decisão de suspender a isenção de taxas e oficializou as tarifas para a importação de aço e alumínio, que passaram a ser cobradas no dia primeiro de junho.
Até mesmo Canadá e México agora serão taxados, assim como União Europeia e demais países que estavam em negociação. Já o Brasil havia fechado um acordo preliminar no dia 26 de abril. Nesta data, segundo nota do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços assinada pelos ministros Marcos Jorge e Aloysio Nunes, as autoridades americanas interromperam o processo de negociação e decidiram por aplicar imediatamente as sobretaxas. Entretanto, uma alternativa foi ofertada ao governo brasileiro: aceitar cotas restritivas. O comunicado ainda destaca que se tratou de uma decisão unilateral dos Estados Unidos e que o Brasil segue aberto a novas conversas.
https://www.youtube.com/watch?v=Rsl52VoefSk
Fonte: Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços
Cotas
A decisão por aceitar as cotas foi tomada pelos próprios representantes do setor do aço com a justificativa de que elas seriam menos restritivas do que a sobretaxa de 25%.
Através de sua assessoria de imprensa, o Instituto Aço Brasil afirmou que seu Conselho Diretor aceitou a proposta devido à necessidade do setor de manter um nível das exportações que evite reduzir ainda mais o nível de utilização da capacidade de produção instalada no Brasil, hoje em 68%, tendo em vista a lenta retomada do mercado interno.
O cálculo da cota será baseado na média das exportações brasileiras para os EUA entre 2015 e 2017. Assim que o volume máximo, estabelecido pela cota, for atingido, as vendas aos americanos serão vetadas e só poderão ser retomadas no ano seguinte.
A cota para o aço semiacabado (blocos e placas) corresponderá a 100% da média entre 2015 e 2017. Já para o acabado (aços longos, planos, inoxidáveis e tubos) equivalerá a 70% do número final. O limite de exportação será calculado e estipulado pelo governo americano.
O setor do alumínio optou pela sobretaxa de 10%, indicando que ela seria menos prejudicial ao seu negócio. Esta informação também foi relatada no comunicado dos ministros.
Sobre possíveis saídas para o Brasil, Renato Garcia, professor doutor em economia pela UNICAMP, afirma que o país pode recorrer a organismos internacionais como a OMC, e até mesmo retaliar as exportações dos Estados Unidos, mas “com a configuração das cadeias globais de produção, é difícil estabelecer qualquer política de retaliação, pois isso pode prejudicar as empresas que operam no Brasil”.
Impactos da aceitação das cotas
Mesmo sendo menos danosa que a sobretaxa, a imposição das cotas para exportação do aço nacional ainda representa um fator de risco à economia siderúrgica do país. O Brasil é o segundo maior mercado de aço dos americanos. Exportou, somente no ano passado aos EUA cerca de US$ 2,63 bilhões em aço o que equivale, de acordo com os dados oficiais do Ministério da Indústria e Comércio Exterior e Serviços (MDIC), à 33% das vendas do produto para o exterior.
De acordo com o professor de economia da UFABC, Fabio Henrique Brittes, com a oficialização das cotas, o impacto no país é claro e imediato: “o Brasil a partir de agora poderá vender menos aos EUA, sobretudo, aço acabado”. Isso acontece devido a redução em 30% da média da exportação desse produto.
Apesar de ocupar um valor menor na exportação quando comparado ao aço semi acabado, o produto acabado possui maior valor agregado, assim como mais etapas feitas internamente, o que gera maior retorno financeiro ao país. Logo reduzir sua venda em 30% significa, além de limitar o mercado nacional, diminuir o dinheiro que circula no país. Dessa forma “caso ela (indústria do aço) não consiga recompor o mercado que perdeu nos EUA para outros países ou por maior demanda doméstica, devemos esperar o fechamento de postos de trabalho no setor do aço por aqui”, conclui Fabio.
Os impactos, no entanto, não param por aí. Outros setores da economia brasileira podem sofrer indiretamente com a imposição americana. As etapas que antecedem a produção do aço, como o recolhimento de sucatas são exemplos. De acordo com um estudo do Instituto Nacional das Empresas de Sucata de Ferro e de Aço (Inesfa) o mercado da sucata gerou entre 2007 e 2012 mais de 1,5 milhão de empregos indiretos.
Essa atividade “é uma importante fonte de renda para as camadas mais baixas da população que não possuem fonte regular de renda”, diz o professor da UFABC. Diminuir a fabricação do aço pode implicar então em cortar essa fonte de sustento, já que a sucata não é um produto amplamente exportado.
O professor atenta, no entanto, que a aceitação das cotas pode vir a beneficiar o mercado de produção do minério de ferro, matéria prima do aço. Caso a indústria americana de fato seja estimulada pelas medidas protecionistas de Trump, o Brasil vai ter a oportunidade de expandir a exportação desse produto.
Desvantagens da medida
O argumento do governo brasileiro contra as cotas, em nota oficial divulgada pelo MDIC, encontra-se justamente no fato de que 80% das exportações de aço do país são de produtos semi acabados. Ou seja, de produtos utilizados como matéria prima pela indústria siderúrgica norte-americana. Isso significa que setores como dos eletrodomésticos e automóveis podem sofrer danos nos EUA.
Há também a questão do carvão mineral, produto utilizado no processo de fabricação do aço. O Brasil é o maior importador de carvão dos Estados Unidos – cerca de US$ 1 bilhão, em 2017, de acordo com dados do MDIC. A oficialização das cotas representa uma redução direta na compra desse material.
“O Brasil precisaria reagir”
Apesar da oficialização, o Brasil ainda estuda possíveis ações para reduzir o impacto dessa medida no país. O governo vem tentando, sem sucesso, uma conversa bilateral com os Estados Unidos desde o início da discussão, em março de 2018. De acordo com Mark Langevin, “o governo brasileiro junto às associações de produtores precisa atuar dentro da política doméstica dos EUA, dialogando com setores, entidades representativas e a sociedade civil”. Uma segunda alternativa seria entrar diretamente com recurso na Organização Mundial do Comércio, órgão multilateral responsável por mediar o comércio externo. No entanto, já que a indústria local aceitou as imposições americanas, a OMC acaba por sair de cena.
Fabio Brittes defende a ideia de que “o Brasil precisaria reagir, tal qual o fazem União Europeia, China, BRICS, IBAS e outras aglomerações multinacionais”. Desde de 2012 a política externa do país tem sido muito passiva. Basta observar que outras barreiras já foram impostas sem que o governo revertesse a situação, como foi o caso do suco de laranja.
Uma possível redução dos impactos pode ser alcançada, de acordo com Brittes, por meio de acordos comerciais com a União Europeia e a China, outras duas grandes potências mundiais. Essas aproximações resultariam em novos mercados para os produtos protegidos pelos EUA, criando uma nova concorrência. Está na hora então do Brasil levantar a cabeça e lançar a sua própria ofensiva comercial.