Conheça a realidade sobre o câncer de mama no Brasil .
Por Nathalie Portela e Sophia Andreazza
O câncer é uma doença que carrega muitos estigmas. Até hoje, há quem prefira não dizer esta palavra em voz alta, como se nomear a enfermidade a aproximasse de nós. Não percebem que, para combater o câncer – não apenas numa perspectiva individual, mas também de saúde pública – é necessário trazê-lo cada vez mais para perto de nosso cotidiano, desvendá-lo, naturalizá-lo; ou, no mínimo aceitá-lo, pois o câncer é uma (dura) realidade. De acordo com a International Agency for Research on Cancer, numa pesquisa realizada em 2012, houve 437.92 mil casos de câncer diagnosticados no Brasil. Entre eles, 59.5 mil eram cânceres de mama.
O câncer de mama é o tipo de câncer que mais mata mulheres no país, portanto. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer, o INCA, entre 2009 e 2014, o número de casos da doença no país aumentou em 13,4%; ou seja, algo como 2% ao ano As razões para este aumento são várias, segundo especulações de especialistas da área da saúde, e vão desde alimentação inadequada a obesidade e altos níveis de estresse.
Além do estigma negativo que acompanha a doença como um todo, o câncer de mama toca em assuntos muito delicados, como por exemplo a questão da feminilidade. Por estas e outras é que se faz extremamente necessário falar com sinceridade sobre o câncer, especialmente sobre o de mama, sobre tratamentos, prevenção, sintomas. Por isso campanhas de alcance mundial, como a Outubro Rosa, são tão importantes: para que as mulheres no mundo todo, e em todas as partes do Brasil, estejam cientes sobre essa tal doença.
As estatísticas
O câncer, segundo dados da Organização Pan-americana de Saúde, a OPAS da ONU, é a segunda principal causa de morte nas Américas. Estimou-se, em pesquisa realizada em 2008, que 2,8 bilhões pessoas são diagnosticadas com a doença por ano, e que 1,3 bilhões morrem em decorrência dela. Entre as mulheres, os tipos de câncer mais frequentes são de mama, pulmão e colo de útero. Ainda de acordo com a OPAS, projeta-se que, se nenhuma ação concreta for tomada – como a criação de políticas públicas para a prevenção e o diagnóstico precoce, por exemplo – até 2025 o número de mortes em decorrência do câncer pode aumentar para mais de 1,9 bilhões. No Brasil, a maior taxa de incidência da doença encontra-se no sudeste, com 64.54 casos a cada 100 mil mulheres. Especialistas da saúde acreditam que o aumento de casos de câncer nas últimas décadas seja um reflexo da nossa maneira de viver em sociedade, consumindo alimentos industrializados e vivendo sob altos níveis de estresse.
Com relação ao câncer de mama, mais especificamente, sabe-se que as chances de cura são elevadas caso o diagnóstico seja precoce – ou seja, quando as lesões na mama são menores do que dois centímetros de diâmetro. De acordo com médicos do hospital Sírio-Libanês, na cidade de São Paulo, essas chances são de 97%. Porém, para que a doença seja detectada em seus estágios iniciais, são necessárias políticas públicas efetivas e de qualidade. “No Brasil ainda tem muito diagnóstico tardio. É muito tabu, muito medo. Quem procura pode achar e quem acha, cura”, disse o coordenador de mastologia do hospital Sírio-Libanês, Alfredo Barros, em entrevista concedida ao Portal IG de Notícias. Por isso a importância de políticas públicas de conscientização sobre a importância autoexames de toque e, no caso de mulheres com mais de 40 anos, de mamografias anuais.
De acordo com informações retiradas do Portal e Observatório Sobre Iniquidades na Saúde, no artigo “Determinantes Sociais da Saúde”, escrito por Mario Vettore e Gabriela Lamarca, “em 2008, o número de mortes pela doença em países em desenvolvimento [como o Brasil] foi de 268 mil, em contraste com 189 mil mortes nos países desenvolvidos (dados retirados da International Agency for Cancer Research). No Brasil, existem políticas públicas atuantes na área de oncologia, mas elas são realmente efetivas em conscientizar as mulheres sobre a importância de examinar-se? Elas realmente garantem o acesso de todas as mulheres a um tratamento de qualidade, desde a mamografia até, por exemplo, a quimioterapia? Que políticas são essas, afinal?”.
As políticas públicas
De acordo com um estudo sobre Políticas de Saúde Pública Para o Controle do Câncer de Mama no Brasil, de Carla Andréia Vilanova Marques, Elisabeth Níglio de Figueiredo e Maria Gaby Rivero de Gutiérrez, o câncer é considerado como uma questão de saúde pública desde 1919, mas foi só a partir de 1975, com a criação do Sistema de Informação de Mortalidade que a problemática do câncer ganhou novos contornos. Descobriu-se, então, que o câncer de mama, por exemplo, tinha o maior prevalência e os níveis de mortalidade mais elevados no país, entre a mulheres. Até os dias de hoje, e apesar dos esforços do Estado diante do desafio de combater o câncer no país, ainda não há um plano nacional de controle de câncer.
Desde a década de 1980 que a questão do câncer de mama, o que mais mata mulheres no país, vem ganhando espaço. Um marco na luta contra o câncer de mama foi a criação do Programa Viva Mulher, em 1998, que iniciou ações para a formulação de diretrizes e estruturação da rede assistencial na detecção precoce do câncer de mama. Desde então, a importância do diagnóstico precoce no caso do câncer de mama, por exemplo, vem sendo reafirmada por diversas leis e políticas públicas do Brasil, como o Pacto pela Saúde, em 2006.
O Outubro Rosa
O Outubro Rosa é comemorado no mundo todo. O nome se dá por conta do laço cor de rosa que simboliza a luta contra o câncer de mama. O movimento começou nos Estados Unidos, na década de 1990, a fim de estimular a população a participar ativamente de campanhas de conscientização acerca do câncer de mama. No Brasil, a primeira ação relacionada ao Outubro Rosa aconteceu em 2002, quando o Obelisco do Ibirapuera, em São Paulo, foi iluminado de rosa durante um breve período. Desde então, as ações da campanha vem ganhando força e destaque no mundo todo, sobretudo neste (relativamente novo) contexto de mídias e redes sociais, que facilitam o compartilhamento de informações. Foi a partir de 2009 que as ações da campanha Outubro Rosa se tornaram mais expressivas no país.
Desde 2010, o INCA participa ativamente das ações relacionadas ao câncer de mama durante o mês de outubro. Os eixos da campanha do INCA são, nesse sentido: divulgar informações gerais sobre o câncer de mama, promover conhecimento e estimular a postura de atenção das mulheres em relação às suas maneiras e à necessidade de investigação oportuna das alterações suspeitas e, por fim, informar sobre as recomendações nacionais para o rastreamento, os benefícios e os riscos da mamografia de rotina, possibilitando que a mulher tenha mais segurança para exigir sobre a realização do exame (dados retirados de relatório oficial do INCA).
Lute como uma mulher
Cristiane Amaral tem 42 anos e está no processo de tratamento da doença. Para ela, foi seu diagnóstico precoce que possibilitou um tratamento melhor: “Descobri fazendo auto exame, sentia dor no local, sempre no período menstrual. Percebi o nódulo em março de 2015, passei pelo posto com ginecologista que me encaminhou para fazer a mamografia. Para minha sorte a carreta que faz exame de mamografia estava em Bauru, no dia seguinte já fiz a mamografia, resultado veio em 1 mês. Depois fiz ultrassom da mama no AME, e retornei no ginecologista que me encaminhou para mastologista. Foi realizada biópsia e confirmado o diagnóstico de câncer de mama”.
Cristiane se apresentou como diagnosticada com “câncer de mama (carcinoma ductal invasivo, CDI, de grau 2 – intermediário) – positivo para progesterona e estrogênio- negativo para c-erb-2 / her-2”. O CDI, é o tipo mais comum de câncer de mama e o “grau 2” é a referência ao desenvolvimento das células, que crescem um pouco mais rápido que as normais. Sua positividade para progesterona e estrogênio refere-se a resposta do tumor aos tratamentos hormonais, que, no caso de Cristiane, é um tratamento possível.
A nomenclatura do diagnóstico pode, à primeira instância, impactar a paciente, mas a procura de esclarecimento costuma trazer tranquilidade na hora de lidar com a doença. Para ajudar nesse entendimento sobre o diagnóstico a brestcancer.org, com colaboração da Cancer Resource Foundation, Inc. desenvolveu “O seu guia para entender o laudo médico de câncer de mama”, que está disponível online gratuitamente. Cristiane afirma que a informação e conhecimento de outros casos foi o que a ajudou a seguir em frente: “Quando recebi o diagnóstico, na hora foi uma sentença de morte, passa um filme na cabeça: e agora, vou morrer? Deixei de fazer tanta coisa! Depois recebi muita informação, pesquisei muito, conversei com mulheres que tinham passado por isso, e o coração vai acalmando. Mas uma coisa é certa: nunca mais vou enxergar a vida da mesma maneira, as prioridades mudam e cada dia é vivido como se fosse o último”.
Para este momento posterior ao diagnóstico, as pacientes afirmam que o apoio de família, amigos e de outras mulheres que passam por histórias semelhantes é um fator essencial lidar de forma mais positiva com a doença. Márcia foi diagnosticada dia antes de seu aniversário de 40 anos. Em depoimento ao site do grupo Amigas do Peito ela aconselha as mulheres que estão iniciando o tratamento: “Não se isole, cerque-se das pessoas e coisas que você ama, faça o que você gosta de fazer. Tenha paciência e fé em Deus. Você vai descobrir que é maior que a doença, você vai vencer!”. O grupo Amigas do Peito é uma associação sem fins lucrativos, localizada na cidade de Bauru, e que foi criada por algumas pacientes de câncer de mama sob a coordenação do mastologista Dr. William Davila Delgallo. Desde 2003 elas se reúnem com o objetivo de prestar apoio, assistência e trabalhar em campanhas de prevenção e diagnóstico precoce. Em sua apresentação, o grupo destaca a importância de mulheres que já enfrentaram todas etapas do tratamento e hoje são espelhos às recém diagnosticadas, servindo de apoio e aconselhamento, além de mostrarem a possibilidade de uma vida tranquila após o câncer.
O tratamento da doença será bem específico para cada caso. Para Cristiane foi dividido em etapas. Na primeira fez a cirurgia: “Fiz quadrantectomia, onde foi retirado o nódulo mais uma margem de segurança”. Depois seguiu o tratamento avançando para a etapa da quimioterapia, 45 dias após a cirurgia. Foi depois de 15 dias da primeira quimioterapia que os efeitos como a queda dos pelos surgiram. A perda do cabelo costuma ser um efeito colateral de grande impacto nas pacientes. Mas a Cristiane não teve problemas em raspar a cabeça. E ela seguiu o tratamento, apesar de alguns problemas hepáticos que prolongaram esta etapa por nove meses, totalizando dez sessões de quimioterapia. Na terceira parte do tratamento começou a Hormonioterapia, 30 dias do término da quimioterapia, que consiste em cinco anos de remédios para regulagem hormonal. E uma quarta etapa de 30 sessões de Radioterapia. O tratamento do câncer é um longo processo mas as pacientes afirma que a conclusão de cada uma das etapas é uma vitória, incentivando e dando forças para as próximas.
Segundo Cristiane a maior dificuldade no processo é o tratamento com quimioterapia: “sem dúvida esta é a fase mais difícil, tive muito enjoo, dores no corpo, cansaço, dores de cabeça, inchaço, gosto ruim, aftas na boca e garganta. Sempre fui muito independente, e durante esse período precisei muito da boa vontade das pessoas. Minha irmã ou meu marido sempre me acompanhavam nas sessões, meus pais também sempre estavam presentes na minha rotina. Família é essencial para passar por isso”.
De acordo com o depoimento das pacientes o diferencial no tratamento é conhecer o quanto antes a sua situação e buscar algum conforto familiar, ou entre amigos, para a trajetória da doença. Os projetos de conscientização e desmistificação da doença mudaram a vida de Christiane porque foram cruciais para que ela soubesse fazer o autoexame com frequência. “Desde os 14 anos eu faço auto exame, incentivado pelas campanhas. Isso foi essencial para o diagnóstico precoce. Para mim, a importância da campanha é ver mulheres passando pelo mesmo diagnóstico, mulheres curadas, é reconfortante, traz esperança”, comenta. Ressaltando a importância do conforto em grupos de apoio, a ex paciente Márcia declarou em seu depoimento no site Amigas do Peito que a peça chave em seu tratamento foi o apoio coletivo: “Se você está passando por esse momento agora, saiba que não está sozinha. Para mim foi fundamental ter o apoio das Amigas do Peito. Conversando com quem já enfrentou este problema, fui me acalmando e vendo que é possível superar”.
Fique ligada!
Este mês a campanha do Outubro Rosa está a todo vapor! Na cidade de Bauru o grupo Amigas do Peito vai realizar o VII Mutirão Outubro Rosa de Exame Clínico das Mamas, das 8h às 15 horas, no dia 15/10. Neste ano, serão oferecidas inicialmente 600 vagas para mulheres de todas as idades, mas este número pode ser ampliado se a iniciativa contar com a adesão de outros médicos voluntários, de todas as especialidades. Além do mutirão o grupo já organizou diversas atividades durante o mês, como um bazar, missa e distribuição de folhetos explicativos. Fique atenta a programação do grupo no site www.amigasdopeito.com. Mais que em outubro, o Amigas do Peito se reúne mensalmente para prestar apoio às pacientes de câncer, no hospital Beneficência Portuguesa, em Bauru. A programação também está no site e redes sociais.