Com menor acesso a educação e a informação, o debate não é feito no Brasil, mesmo numa situação de calamidade
por Felipe Haguehara e Heitor Facini
No dia 1 de Setembro, quinta-feira, Colin Kaepernick, atleta do San Francisco 49ers, time de futebol americano, ajoelhou-se e abaixou a cabeça enquanto o hino nacional estadunidense tocava à frente de 47.407 espectadores no estádio. Não foi a primeira vez que ele protestou no momento do hino. Desde o início da pré-temporada ele ficava sentado enquanto todo mundo ficava de pé. Colin disse em entrevista pós-jogo ao próprio site da NFL: “Não vou me levantar e mostrar orgulho pela bandeira de um país que oprime o povo negro e as pessoas de cor”.
I hope @Kaepernick7 gets an intruder in his home and calls the cop and they don't come
— Logan (@loganA82) September 1, 2016
Mas, também recebeu apoio através de uma hashtag #VeteransForKaepernick. O usuário Corey Bliss, ex soldado do exército norte-americano, postou que era “negro antes de servir e continuou negro depois” junto com a hashtag.
https://twitter.com/CoreyBliss/status/770782338741567489
O quarterback não foi o único atleta a demonstrar seu posicionamento político explicitamente em público. As super estrelas da NBA LeBron James, Dwyane Wade, Chris Paul e Carmelo Anthony se manifestaram no dia 13 de Julho deste ano, na abertura do Prêmio Anual de Excelência em Performances Esportivas, ou ESPYs, distribuído anualmente pela ESPN norte-americana. Dwyane Wade, ala armador do Chicago Bulls se pronunciou dizendo que “a mentalidade de atirar para matar tem que parar. O país tem de parar de não enxergar valor em vidas negras. A retaliação tem de parar. A violência em Chicago, Dallas, Orlando tem de parar. Basta”. Lebron James, ala do Cleveland Cavaliers discursou dizendo que “todos nós, atletas profissionais, devemos nos educar, dar voz, usar nossa influência e renunciar a toda violência e, mais importante, voltar as nossas comunidades, investir nossos recursos, ajudá-los a se fortalecer. Temos todos que fazer melhor”.Chris Paul, armador do Los Angeles Clippers, disse que tem de seguir o exemplo de caras como “Kareem Abdul Jabbar, Jesse Owens, Muhammad Ali, John Carlos and Tommie Smith e inúmeros outros”.
O caso Aranha
Àqueles que se manifestam há a repercussão na mídia, porém com um deslocamento do foco. No dia 28 de Agosto de 2014, Mário Lúcio Duarte Costa, mais conhecido como Aranha, estava em campo pelo Santos F.C. em partida válida pela Copa do Brasil. Durante os últimos minutos de partida ele gesticulava inconformado para o árbitro que a torcida do Grêmio, seu adversário na ocasião, chamava-o de “macaco” e fazia gestos e sons insultando o goleiro. No momento Aranha respondeu, bateu em seu braço e afirmou “Sou preto, sim, sou negão, sim!”.
O caso ecoou nos veículos e nas redes sociais, alguns dos agressores até foram localizados e identificados através das câmeras das emissoras que transmitiam a partida. A imprensa esportiva focou a narrativa na história de Patricia Moreira, flagrada em vídeo. Em entrevista no programa Encontro com Fátima Bernardes se desenvolveu uma história de pedido de desculpas pelo fato, de uma certa redenção da jovem. O que não levaram em conta foi a gravidade do que ela cometeu. Aranha ressalta que não foi apenas ela que cometeu o crime. “Isso é um erro [pensar que foi apenas Patrícia], porque foram várias pessoas”. Ou seja, foi um ato generalizado, não apenas localizado em uma pessoa ou outra.
Além de Patricia, Eder Braga, Fernando Ascal e Ricardo Rychter foram autuados. Só que ao invés de prisão, suas punições foram a de ter de apresentar-se a uma delegacia antes de cada jogo do Grêmio em Porto Alegre por 10 meses. Após isso o caso foi sendo esquecido na mídia Marcelo Carvalho, diretor executivo no Observatório de Discriminação Racial no Futebol ressalta que falta suporte às vítimas. “Outro ponto importante que devemos levar em conta é a falta de apoio aos atletas que denunciam racismo, os clubes de futebol não apoiam os atletas que com medo de perder o emprego silenciam. Além disso não devemos esquecer que clubes, assim como os governantes, não querem o povo instruído”, afirma Marcelo.
O projeto produz o Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol, sendo o mais recente referente à 2015. Nele são explicitados 41 casos de racismo no esporte, sendo 35 no futebol. Aranha acredita que muito disso se deve pelo fato da normatização do racismo na sociedade. “A gente aprende a história do Brasil de maneira um tanto folclórica. É contado que todos nós, negros, descendemos de escravos e que por misericórdia da princesa Isabel [uma mulher branca], que assinou a lei áurea, ficamos livres. Não é essa a história real. Isso leva a uma ideia triste e equivocada de inferioridade por raça”. Ele complementa que “por isso é difícil de se posicionar, além do fato de faltar interesse no assunto”.
Mais conhecimento é o caminho.
Uma das alternativas à esse cenário é a melhora do acesso à informação. “Eu acho que o estudo, o acesso às informações certas podem trazer força e conhecimento para que mais negros possam se posicionar em relação a isso”, diz o goleiro. José Paulo Florenzano, professor doutor da PUC-SP, também vê a falta da formação escolar como um dos motivos para o não posicionamento. “Conforme assinala o sociólogo francês, Luc Boltanski, o ‘espírito crítico’, isto é, a postura mental necessária para lançar uma interrogação questionadora sobre todos os aspectos constitutivos da vida social, longe de ser uma disposição inata, constitui-se em uma disposição adquirida. Nesse sentido, a escola, em todos os níveis, desempenha um papel inestimável”, comenta Florenziano.
Ele ainda destaca a opinião de Sócrates, ex-jogador do Corinthians, médico formado e um dos líderes da democracia corintiana – movimento que lutou por maior voz dos jogadores dentro do clube. “Sócrates defendia o entrelaçamento, no Brasil, entre a formação esportiva e a formação escolar dos atletas”.
E, de fato, falta formação aos atletas no Brasil. De acordo com levantamento do site globoesporte.com, apenas 15 atletas entre todos inscritos na Série A do Campeonato Brasileiro tinham concluído, frequentado e desistido ou estavam cursando o ensino superior. No mesmo caso, em comparação aos Estados Unidos, se observa o cenário oposto. Na NBA, apenas 12 de todos os 264 jogadores norte-americanos da liga não fizeram ao menos 1 ano de universidade.