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Por Mariana Amud

Até que ponto uma política pública é capaz de influenciar nas decisões da gestante?

85%, 40%, 15%. São as porcentagens de cesáreas feitas pelas operadoras de saúde, pelo Sistema Público de Saúde – SUS – e o índice recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), respectivamente. O Brasil é o segundo país que mais faz cesáreas no mundo, com índices muito acima do recomendado pela OMS.

Em vigor desde o dia 6 de julho, a Resolução Normativa (RN) nº 368 prevê às mulheres, gestantes ou não, beneficiárias de planos de saúde “o direito de acesso à informação das beneficiárias aos percentuais de cirurgias cesáreas e de partos normais, por operadora, por estabelecimento de saúde e por médico e sobre a utilização do partograma, do cartão da gestante e da carta de informação à gestante no âmbito da saúde suplementar , de acordo com a Agência Nacional de Saúde – ANS. Aparentemente a RN é simples e seu texto é auto explicativo, mas tem gerado grande polêmica entre mulheres e a comunidade médica.

O que deveria significar maior acesso a informações de planos saúde e médicos, acabou se transformando em um decreto contra as cesáreas, de acordo com algumas interpretações possíveis. A Resolução, além de objetivar que as mulheres tenham acesso aos números de cesáreas feitas pelos médicos e planos de saúde, também espera “reduzir os riscos decorrentes de cesáreas desnecessárias e promover a crescente melhoria no cuidado para a mulher e o bebê”, de acordo com respostas dadas pela ANS nesse link.

A Resolução estabelece uma normatização a ser seguida pelos médicos e planos de saúde, além da transparência de dados, são exigidos o Partograma, um acompanhamento da evolução do trabalho de parto registrado em gráficos; o Cartão da Gestante, que contém todas as informações do pré-natal e a Carta de Informação à Gestante, um documento informando à os riscos da cesárea sem necessidade.

Tendo em vista a primeira regra da RN, mulheres reuniram-se em diferentes cidades do Brasil para coletar informações de planos de saúde, divulgando em listas e sites o número de cesáreas feitas pelos médicos e seus planos de saúde.

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Normas da RN nº 368. Arte: Mariana Amud

Informar para formar opinião

Mas então qual é a polêmica? De um lado está uma cultura que estabelece a cesárea como melhor e mais segura forma de ter um bebê, do outro estão pesquisas comprovando que o parto normal é a forma mais saudável de parto para a mãe e para o bebê. Essa cultura, como diz o ginecologista e obstetra, Dr. Newriton Alcântara, “é reforçada por familiares com histórias e experiências. Muitas vezes as mulheres já chegam no consultório com uma opinião formada em relação a forma como querem ter seus filhos e escolhem a cesárea por ser mais rápido, ter anestesia. Muitas vezes as mulheres trocam de médico, mas não mudam de opinião, e esse é um direito delas.”

O problema encontrado por algumas mulheres em relação à RN é sobre ter seu direito de escolha impedido, quando, na verdade, não existe nenhum impedimento legal para que as cesárias marcadas sejam feitas. Ao assinarem um termo de responsabilidade sobre a decisão de estar fazendo a cesárea de forma consciente, o modelo foi disponibilizado pela Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo.

Segundo o Dr. Alcântara essa Resolução não tem grande interferência na decisão da gestante, já que o termo de responsabilidade assinado pela mulher acaba prevalecendo diante das demais normas. Outro ponto importante a ser ressaltado é o fato de o código de ética médico reforça a autonomia do paciente, ele tem seu direito de recusar ou escolher seu tipo de tratamento a partir das informações passadas pelo médico.

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Dr. Newriton Alcântara fala sobre a nova Resolução. Fonte: Mariana Amud

Talvez a chave de toda essa discussão seja uma: informação. É necessário que se dê informação para que a partir delas sejam tomadas quaisquer decisões, esse foi o ponto comum em todas as entrevistas feitas para essa matéria. Entre mulheres contra e favor da cesárea eletiva (quando não há uma necessidade médica) e um médico obstetra todos pontuaram a cultura das cesáreas no Brasil e como a informação e a mídia trabalham para reforçar esse pensamento. Tendo como seu principal informar, acima da tudo, os meios de comunicação acabam trabalhando a favor de interesses econômicos e políticos ao invés de prezarem pela saúde e segurança das mães e seus bebês. Dayane, Ana Caroline, Ana Carolina e Carolina são mães, tiveram seus filhos por parto normal, algumas foram induzidas a fazerem cesárea sem necessidade, mas todas concordam que existe uma forte cultura às cesáreas e de que as mídias só trabalham para reforçar esse pensamento, e ao mesmo tempo, desestimulam a prática de partos normais.

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As cesáreas feitas pelos planos de saúde ultrapassam em quase 5 vezes o índice recomendado pela OMS. Arte: Mariana Amud

Saúde ou mercado?

Recentemente veio à mídia o caso da professora de enfermagem da UFScar, Mariana de Oliveira Fonseca Machado, de 30 anos, que faleceu após dar a luz à sua filha. A grande mídia divulgou como causa de sua morte a tentativa de parto humanizado domiciliar que Mariana teria feito, e após 48h em trabalho de parto em casa a professora teria sido levada ao hospital e submetida a uma cesárea necessária. Em nota, a UFSCar ar divulgou a informação de que Mariana teria entrado em trabalho de parto no dia 11 de julho, em casa e acompanhada por profissionais capacitados para ampará-la, e que na mesma noite teria ido ao hospital para dar continuidade ao trabalho de parto, tudo isso em perfeito estado de saúde.

No comunicado também é destacado o papel da mídia na formação de opinião acerca do tema: “Infelizmente, preconceitos em relação ao parto natural e a ‘cultura de cesariana’ brasileira, associados à falta de responsabilidade no compartilhamento de informações nas redes sociais e na mídia, levaram a divulgações equivocadas sobre o caso”.

Um caso inverso ao de Mariana aconteceu com Adelir Lemos Goes, em 1º de abril de 2014, em Torres, no Rio Grande do Sul. A mulher, com 42 semanas de gestação, havia começado a sentir dores pélvicas e foi para o hospital, lá a obstetra disse que teria que fazer uma cesária, pois o bebê estava sentado e não seria possível tê-lo por parto vaginal. Adelir se recusou a fazer a cesária, assinou um termo de alta a revelia (um pedido do paciente, mas sem a autorização do médico) e voltou para casa. Mesmo após esse procedimento, o hospital procurou o Ministério Público e pediu uma intervenção judicial. Horas depois policiais e um oficial de justiça bateram a porta de Adelir, ameaçaram seu marido e a fizeram entrar em uma ambulância para seguir ao hospital. Nessa história, a decisão da mulher sofreu interferência direta da justiça, mas não recebeu grande cobertura da imprensa como no caso da enfermeira Mariana.

Mulheres de vanguarda

Historicamente, as mulheres eram “escolhidas” para casar a partir do tamanho de suas ancas – os quadris -, pois quanto maior eram os quadris, maior era a chance da mulher ser uma “boa” parideira. “Antigamente, parir em casa era sinal de orgulho, porque era uma coisa que se esperava da mulher. Quando a mulher engravidava ela sabia que ia ter parto, então era uma prova vital para ela”, diz Dr. Alcântara.

Atualmente, apesar de ainda haver um grande preconceito envolvendo o corpo da mulher e suas decisões contra o status quo, o pensamento não é mais o mesmo. A cultura de que o corpo da mulher é naturalmente feito para parir foi se adaptando aos novos conceitos que envolvem tanto as decisões da mulher, como imposições médicas, infra estrutura e interesses político econômicos. “Lá pela década de 1930, com o descobrimento dos antibióticos e a melhoria de anestésicos, principalmente, o pensamento em relação às cesáreas mudou e ela acabou se tornando uma escolha”, acrescenta o obstetra.

Nadando contra a cultura da cesária estão mulheres que já fizeram e que são a favor do parto normal, reconhecem a necessidade da cesária para salvar mãe e bebê, e exaltam a máxima de que “mulheres sabem parir e bebês sabem nascer”, segundo Ana Carolina Kienen, mãe da Antônia de 3 meses.

Carolina Mariano Ferreira, tem 30 anos e é mãe de dois filhos Luiz (12) e Renato (3 meses), o seu primeiro filho nasceu de uma cesárea desnecessária, como ela mesma diz. Já o segundo nasceu em parto natural humanizado. A partir dessas duas experiências Carolina percebeu que existe uma cultura que valoriza as cesáreas e pôde dimensionar a importância da informação para a gestante. “Entendo que grande parte das mulheres não recebe informação adequada quando “escolhe” a cesárea. Os médicos assustam as gestantes com falsas indicações, e obviamente que elas vão acatar a decisão do médico. Creio que se elas soubessem de fato quais são as únicas indicações definitivas para a cesárea e os riscos dela para mãe e bebê, a cirurgia não seria a primeira opção, ou raramente seria em casos particulares de cada mulher.”

Para realizar o parto humanizado de seu segundo filho, Carolina disse ter procurado muita informação, ter lido a respeito do tema e entrado em contato com médicos que fazem parto humanizado. Porém, passou por duas médicas que “me induziram a cesárea por conta do meu peso e da diabetes gestacional, até que encontrei minha médica que super me respeitou, correu atrás de alternativas pra cada hipótese que pudesse dar errado de última hora e que me proporcionou um parto maravilhoso”.

Além de Carolina, Ana Carolina Souza, de 23 anos e mãe de um filho, também passou por uma cesariana eletiva desnecessária e argumenta sobre a necessidade de informação para as gestantes e como a Resolução Normativa nº 368 é importante para essa mudança de pensamento, “acredito que a RN nº 368 pode ser uma das responsáveis por  ‘acordar’ a mulherada e automaticamente destruir essa cultura terrível de que para um parto ser seguro precisa ser tão invasivo como a cesariana é. Defendo a escolha da mulher. Não sou eu quem vai dizer que alguém é menos mãe porque não quis parir, entretanto, ela deve ser informada honestamente dos riscos de sua escolha e essa, caso permaneça,  deve ser cumprida”.

Durante entrevista com o Dr. Alcântara, que estava em seu plantão no Hospital Santa Isabel, em Bauru, uma paciente com caso urgente chegou e tivemos que interromper nossa conversa. Cerca de 50 minutos depois o doutor voltou e explicou que a gestante teve um descolamento de placenta – quando a placenta se solta da parede do útero e adianta o nascimento do bebê -, que o bebê nasceu prematuro e que a cesariana tinha sido necessária. Na fala do médico todos os pontos se encaixam, existiu uma explicação e uma necessidade para a cirurgia e é ai que a cesária cumpre seu papel, o de salvar mãe e bebê em casos de risco.

Leia mais

http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/arquivos/anexos/nascerweb.pdf

http://brasil.elpais.com/brasil/2015/07/15/politica/1436962606_175263.html

http://brasil.elpais.com/brasil/2015/01/23/politica/1421974293_596294.html

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